Fez a primeira parte da viagem
dentro do território espanhol absorvido nos seus pensamentos, recordando a
família e os primeiros anos de vida vividos na aldeia onde
nascera, lá no interior do Nordeste Transmontano - o berço da sua infância. No
bolso, ciosamente guardado, o dinheiro que a mãe lhe dera e tirara do fundo do
gavetão da comoda do seu quarto onde guardava o fruto das suas poupanças.
"Tudo
correu bem até aqui",
pensou. Olhou ao seu redor e verificou que a carruagem estava quase cheia. Achava natural que quando um grupo de pessoas se encontra pela primeira vez exista pouca
familiaridade e que exista mesmo uma incerteza provocada pelo novo ambiente. Estava habituado a
que nestas circunstâncias cada um se preocupasse consigo mesmo e nas suas
necessidades em detrimento dos outros. Estava portanto preparado para ser cauteloso e
reservado. Também
já sabia que nestas situações tende a haver muito silêncio, pausas e pouca
comunicação e quando falam as pessoas tendem a ser bem-educadas e a mostrar a
sua melhor face.
Mas... aqui não se passa nada disso! - reconheceu. E ... sentiu-se bem naquele ambiente barulhento é certo mas simultaneamente sereno, tranquilo e acolhedor.
Apesar de dividir a carruagem com uma multidão de pessoas, constituída na sua maioria por emigrantes e/ou familiares, que falavam alto e sem parar, deixou-se de início embalar tranquilamente ao ritmo do comboio.
Curiosamente essas pessoas
desconhecidas e que se tornaram seus companheiros de viagem, de caras ignoradas
e estranhas no início, revelaram-se simpáticas e as suas conversas abertas
e desprovidas de preconceitos provocavam o riso com facilidade e deixavam no ar uma
energia positiva que transformaram o seu receio e desconforto inicial em
confiança e bem-estar.
Deu-se conta que estava pela
primeira vez num país estrangeiro, sentiu-se solto e desprendido de qualquer
tipo de amarra social e com uma verdadeira sensação de liberdade.
De repente,
deu consigo a falar com esses desconhecidos e a dizer-lhes o que lhe ia na alma
com a certeza de que nenhuma das suas palavras sairia daquele local. Libertou o
seu coração, desprendendo-se dos medos criados pela sociedade porque sentiu que
podia dizer tudo com franqueza e honestidade, como se estivesse num
confessionário comum e global... até porque provavelmente nunca mais iria ver
essas pessoas na sua vida.
Ao fim de algumas horas de viagem sentiu que já ninguém o
olhava de lado, todos o tratavam com respeito, ouviam as suas palavras e mesmo
que não comungassem da mesma opinião afirmavam-no com frontalidade expondo o
seu ponto de vista, mas sem deixarem de aceitar e respeitar o ponto de vista do
outro.
Deixou-se ir, ora participando nas conversas, ora apreciando a paisagem que via passar pela janela, passando por momentos profundamente relaxantes e de um bem-estar absolutamente renovador.
Deixou-se ir, ora participando nas conversas, ora apreciando a paisagem que via passar pela janela, passando por momentos profundamente relaxantes e de um bem-estar absolutamente renovador.
(continua...)
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