Pretendo, despretensiosamente, divulgar aqui ideias, pensamentos, acontecimentos, imagens, músicas, vídeos e tudo aquilo que considere interessante, sem ferir susceptibilidades.

Falando de tudo e de nada... correndo o risco de falar demais para nada!


sábado, 29 de dezembro de 2012

Conto: Neto de um emigrante em Paris! (VIII)

Nota prévia:
Este será o último post deste blogue no ano de 2012!
Para marcar simbolicamente este facto quero dedicá-lo ao meu 
avô Alfredo que faleceu, em 1991, com 90 anos de idade.
 
No dia seguinte, sexta-feira santa, 9 de Abril de 1971, logo pela manhã e enquanto tomavam o pequeno-almoço em família, o avô virou-se para Zeferino e disse-lhe: “hoje gostaria que estivesses disponível para mim... quero mostrar-te um pouco de Paris ... o que achas?”

Zeferino, antes de responder, pensou  na enorme admiração que tinha por seu avô que nunca parava de o surpreender com pequenas brincadeiras, com truques engraçados, com sugestões e com actividades que o divirtam e o faziam sentir-se especial. 

De facto, apesar de viverem afastados praticamente durante todo o ano, sempre o considerou um elemento fundamental da sua família e, para além de sua mãe, foi aquele que mais se preocupou com a sua formação e educação. Nos momentos importantes da vida de Zeferino o avô esteve sempre presente com a sua forma muito especial e singela de demonstrar o seu amor e carinho, sem ser lamechas e muito menos sem querer parecê-lo. 
Era directo no trato (às vezes rude) mas desde muito novo e sempre que estava por perto, normalmente nas férias de verão, Zeferino sentia-se permanentemente estimulado por seu avô nomeadamente para as áreas do saber e do saber fazer e, ainda, para a cultura em geral e para o valor do trabalho.

Politicamente o seu avô era um socialista e um defensor convicto de François Mitterrand e, acima de todos, de Leon Blum, de quem falava com admiração mas com todo o cuidado, pois em Portugal ainda se estava no tempo do regime ditatorial imposto por Oliveira Salazar e continuado por Marcelo Caetano. Contava-lhe também, vezes sem conta, o interrogatório a que tinha sido submetido na sede da PIDE, na cidade do Porto, em finais da década de 50. 
E, mais uma vez, nesse dia lá lhe repetiu: "Sabes que com A PIDE (polícia Internacional e de Defesa do Estado) não se pode facilitar (...)  "O Salazar não brincava em serviço... ele e o seu Estado Novo criaram esta polícia com o fim de condicionar, controlar ou eliminar as manifestações de opinião e impedir a organização política das forças que se lhe opunham (...) era um ditador na linha de Hitler na Alemanha, de Francisco Franco em Espanha e de Benito Mussolini em Itália...". Terminava normalmente este tipo de discurso com este aviso: "tu, vê lá ... tem cuidado... mas... nunca apoies e, sobretudo, nunca te deixes subjugar por ditadores".
De facto e sem ser ferrenho ele venerava a independência e a igualdade entre os povos e religiosamente guardava no seu apartamento em Paris, todo o tipo de jornais e transcritos proibidos pelo regime salazarista, que mostrava e citava com orgulho.

Zeferino, assim estimulado pelo seu avô, Interessou-se de forma quase doentia por relatos e livros que contavam a bestialidade do ser humano praticados, sobretudo, durante a 2º guerra mundial. E, por vezes, dava consigo a sonhar e a imaginar-se  um herói que salvava o mundo da intolerância e das injustiças praticadas pelos mais poderosos.

Por tudo isto, por gostar da sua companhia e, claro, porque queria de facto conhecer Paris, Zeferino acabou por responder todo contente e brincalhão: "Acho muito bem, avô!... et pourquoi pas?"

(continua...) 
 

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Esse olhar que era só teu...

Relaxem!
Abrandem um pouco da vida agitada e difícil dos tempos que correm!
Fechem os olhos, encostem a cabeça à cadeira, ao cadeirão ou (ainda melhor) a um ombro amigo e/ou acolhedor e… desfrutem esta música!

 

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Almoço de Natal do grupo 5.com - Acta (II)

O serviço foi eficiente e rápido, só dando tempo de trincar umas tostinhas amanteigadas, acompanhadas de um raquítico pratinho de queijo, presunto e enchidos. Mas é fácil perceber o porquê de tão minúscula dose: o pernil mais parecia uma pata completa de porco avantajado, acompanhado de gostosa batatinha assada no forno e arroz. Só o esparregado destoava pelo assumido sportinguismo, que mereceu um certo ostracismo natural num grupo de portistas. Para quebrar o consenso o benfiquista juntou-se aos portistas (quem diria!) e o Jorge deixou o grupo habitual, correndo praticamente sozinho num verdíssimo relvado todo moderno, ou seja, sintético.
No final da contenda, do adversário (ou será amigo?! - cada vez estou mais confuso) pernil, ficou só o osso, conforme atesta um fiel documento fotográfico que não me deixa mentir.
Para terminar a refeição veio uma consensual rabanada típica do Antunes.
Quando veio a conta… uns simpáticos 12 euros por cabeça, incluindo já uma boa gorjeta. Pelo preço, pela quantidade e qualidade da comida, pela rapidez e simpatia do serviço, seríamos levados a concluir que a recomendação do Mota surtira o efeito esperado. Mas ao vermos a sala cheia ficamos a desconfiar que tal se ficasse a dever ao poder de persuasão ou aos contactos do amigo Mota. Cheira-me que há outras razões a que ele certamente será alheio.
Fomos tomar café ao Hotel D. Henrique, no bar do 17.º andar, com uma soberba vista sobre o Porto e com uma esplanada própria para aterrar um helicóptero, coisa que o mau tempo não recomendava para o dia de hoje, tendo por isso de ficar adiada para outra oportunidade. Ninguém deu por mal empregue os 2,70 euros do café.
No regresso à Trindade, debaixo de uma irritante chuva molha-tolos a cair para o grosso, separamo-nos do Mota, que foi cumprir o ritual de comprar o fiel amigo na que é, certamente, a melhor casa de bacalhau da cidade. O Mota não faz a coisa por menos e faz ele muito bem. Que lhe saiba pela vida!
O regresso a Valadares cumpriu-se sem mais peripécias nem incidentes, pelo que se fica ansiosamente à espera de nova oportunidade para aconchegar o estômago, neste tempo de vacas magras onde uma refeição banal na companhia de amigos sabe muito melhor que um jantar de gala em tempos de esbanjamento (que nos levou ao sítio onde estamos).
Por ser verdade e por me ter sido pedido, procedi à elaboração desta ata, que saiu mais tipo romance que documento oficial, mas que cumpre cabalmente (assim o espero) os fins para que foi escrita. E para completar o bouquet será acompanhada de um interessantíssimo documentário audiovisual a cargo do amigo Bernardino. Não sou como o S. Tomé, que para acreditar precisa de ver: eu só preciso de ver para confirmar a minha fé e para me deleitar. Por isso fico à espera do audiovisual, desde que não avarie como o leitor de CD’s na viagem ao nordeste.
E o amigo Mota se quiser ver a ata e a reportagem ao mesmo tempo que os outros, que compre um computador e que aprenda a ler e-mails. Quem gasta tanto dinheiro em bacalhau e poupa em transportes de metro para depois esbanjar em viagens em autocarro para Madrid (muito mais caras que de avião), já devia ter comprado um computador, mesmo que fosse um daqueles roubados e vendidos em segunda mão a preços muito em conta. Fica a lembrança, com amizade.

Valadares, 13 de dezembro de 2012

O secretário/cronista

Alexandre Ribeiro
Nota Final
E agora vejam o vídeo prometido (de preferência em full screen), que comprova tudo o que foi descrito pelo arguto e competente cronista Alexandre! 
A foto de apresentação do vídeo destoa um pouco, na minha opinião! Mas... enfim, pelo sorriso de satisfação dos "modelos" e pelo espírito natalício até apetece ser tolerante! Não acham?


domingo, 23 de dezembro de 2012

Almoço de Natal do grupo 5.com - Acta (I)

Crónica de Alexandre Ribeiro

Aos 13 dias do mês de dezembro de 2012 teve lugar mais uma reunião ordinária desta associação (ou teria sido uma reunião desta associação ordinária?! – já estou confuso e de vez em quando troco tudo).
À hora marcada (11 horas) o Bernardino e o Jorge já estavam à espera do Alexandre. Com o seu característico boné (de retalhos, como o chapéu de um pobre arrancado de um caixote do lixo) não há dúvidas de quem era o motorista. Daí seguiram para casa do Rogério e, sem mais perda de tempo – urgia chegar depressa ao destino – tomaram o caminho de Santo Ovídeo. A pressa era tanta que, por mais de uma vez, o Bernardino (ou será Zeferino?! – confirma-se que já troco tudo) teve de guinar à direita, perante os avisos avisados dos passageiros, pois queria seguir em frente.
Chegados à estação de metro havia que provisionar devidamente o andante, pois se fossem cheques estavam todos carecas.  
 Alguém sabe como é que se carrega o andante? Olha que pergunta parva! Claro que todos sabemos.
Claro que deu barraca: como eram precisam duas viagens – ida e volta – o custo era um euro e noventa. Era? Claro, mas só para quem sabe. Para quem não sabe fica por 2 euros e trinta.
Como? É mesmo assim. Perguntem a quem sabe, que eu pelas explicações levo 50 euros à horas (acho que este é o preço de tabela de um professor assim-assim, abaixo do ordenado de um reles economista).
Mas verdadeiro economista foi o Mota. Poupadinho, foi a pé de casa até à Trindade. Poupou 95 cêntimos do bilhete do metro e ainda aproveitou para escolher o bacalhau para o natal. Nós é que não fomos grandes amigos dele, porque se tivéssemos decidido ir de táxi ter-lhe-íamos permitido poupar pr’aí uns 5 euros (já dava para uma postinha de bacalhau). Mas no dia em que formos de helicóptero ele vai poupar pr’aí uns 5 mil. Sim, porque vai ter de ir a pé por não ter jogado no euromilhões. Mas a verdade é que com a técnica dele lá vai acumulando euro a euro e nós, com tanta falta de pontaria para os números do euromilhões, vamos ficando cada vez mais pobres. Mas que espere pela volta: no final quem se vai rir somos nós. Mas para já é ele que sorri ao ver o porquinho engordar. Para um infoexcluído não está mal.
 Saídos na Trindade, o primeiro destino foi a Loja do Dragão, em Sá da Bandeira, o que, em condições normais, causaria alguma azia ao amigo Bernardino. Mas ele já está tão habituado a estas comidas indigestas, que já nem lhe fazem cocegas no estômago. E por aqui me fico. Prometo que hoje não bato mais no ceguinho (isto não é sentido figurado).
Para abrir o apetite fomos matar saudades, passando pelo mercado do Bolhão, que de degradado só tem as instalações, porquanto as bancas estão cheias do bom e do melhor no que respeita a peixe, legumes e fruta. Passamos como cão em vinha vindimada, pois outras iguarias nos esperavam e o tempo urgia para não perdemos o lugar à mesa. Esta atitude veio a revelar-se muito asizada.
À saída o Alexandre e o Bernardino ficaram para trás e perderam-se do trio da frente. O que valeu foi o olho de lince do Bernardino e a careca luzidia do Rogério, a brilhar no meio da multidão, qual GPS com as coordenadas certas (desta vez) para nos indicar a localização dos 3 fugitivos.
Finalmente, chegámos ao destino: restaurante Antunes, na Rua do Bonjardim.
A escolha da ementa foi, como de costume, consensual: pernil assado, regado com um honesto tinto da Colina de Favaios, com o Jorge a pedir água, fazendo a exceção (ou será a regra?! – ainda não começámos a beber e já estou confuso).
O Mota aproveitou para fazer valer os seus conhecimentos e traduzi-los em vantagem para nós. Chamou o empregado e disse-lhe que era amigo do antigo dono da casa, o conhecido sr. Vale. Sem ouvirmos qualquer resposta do empregado ficamos a saber que era novo na casa, pois pela sua expressão facial viu-se claramente que o nome não lhe dizia rigorosamente nada. Agora admitem as pessoas sem lhes dar formação e sem transmitirem a história da empresa, e depois dá nisto.
(continua)

sábado, 22 de dezembro de 2012

Estrela da tarde...

Nesse fim de tarde, do início do mês de Março de 1979, vários sentimentos contraditórios corriam-lhe a alma e a ansiedade provocava-lhe suores frios ao entrar no Café Snack Bar-Mira Espanha, na lindíssima vila minhota de Monção. 
Sentou-se e, enquanto aguardava a chegada da sua apaixonada, leu as novidades do dia no Jornal da casa. Impaciente, levantou-se e saiu para o exterior como que a dar razão ao ditado popular: "quem espera desespera"! Do muro de granito virado a Norte de onde podia apreciar o rio Minho que aí nesse ponto nos separa de Espanha, olhou para poente e teve a oportunidade de assistir, desse local privilegiado, a um pôr-do-sol lindo e espectacular. 
No fim desse maravilhoso espectáculo proporcionado gratuitamente pela Natureza viu-a a aproximar-se enquanto atravessava a Praça Deu-la-Deu Martins... trazia no seu rosto (e no seu sorriso) um brilho encantador que substituiu, para melhor, a luz do sol que tinha acabado de ver partir. Ficou mais animado e trauteou baixinho um pequeno trecho do poema de José Carlos Ary dos Santos que deu origem a uma canção de Carlos do Carmo.  

A letra desse belíssimo poema reflectia muito do seu sentir naquele momento e dizia o seguinte:
"Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia
Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram

Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram

Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto

Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto".

 

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Conto: Neto de um emigrante em Paris! (VII)

Já no interior do autocarro que o levaria até próximo da casa de seu avô, Zeferino retirou do bolso o papel com a mensagem que Emeralda lhe havia deixado na despedida e começou a ler, com avidez, o seu conteúdo.
Para além do seu nome completo ela tinha também escrito uma morada e um número de telefone.

Depois vinha o resto do texto escrito num francês tecnicamente perfeito:  “Zefe: enquanto tu dormias, eu não conseguia conciliar o sono devido a esta  emoção nova, mas forte, com que tu me tocaste. Resolvi, por isso mesmo e para me tranquilizar, passar para o papel tudo aquilo que me ia na alma.
Este é um tempo não muito fácil para mim... quase tudo (de bom e de mau) me tem acontecido ao mesmo tempo e em catadupa. Como te disse estou no primeiro ano do Curso de Sociologia, em Madrid, e a adaptação não tem sido nada fácil sobretudo porque estou lá sozinha, numa cidade nova e num curso extremamente exigente. Estou (ou estava) portanto a fazer esta viagem em condições muito difíceis. Vou para Paris passar a Páscoa com a minha mãe que acabou de se separar de meu pai, que foi transferido em Janeiro último para a Embaixada de Espanha em Roma e onde se apaixonou por uma cantora de ópera italiana. Como não queria trair minha mãe, comunicou-lhe que se queria separar primeiro para depois poder seguir a sua nova paixão. Ao abandonar minha mãe, abandonou-me também a mim... pelo menos é o que eu sinto! Assim compreenderás melhor a minha fragilidade emocional e a minha tristeza que tu tão bem presentiste em mim no início da nossa viagem.
No meio de tudo isto, conhecer-te foi uma dádiva de Deus! Quando os teus lábios se prenderam nos meus, o meu coração saiu, disparado, voando alto nas alturas, agarrado às asas brancas cristalinas que rodeavam os nossos corpos. Não sei como aterrei. Recordo apenas que abri os olhos e vi o teu rosto, doce e meigo, respirando calmamente deitado a meu lado, dentro do teu confortável saco de dormir.
Antes de adormeceres beijaste-me de novo e olhaste-me intensamente. Aproveitando a luz ténue e residual do luar que entrava pela janela, vi o branco puro e limpo dos teus olhos, que se confundia com a luz radiosa que brotava do teu sorriso. Afaguei teu rosto e beijei os teus olhos verdes, murmurando baixinho palavras de amor, que tu não ouvias pois eram ditas apenas para mim. Dizer que te amo, poderia parecer extemporâneo devido ao pouco tempo que nos conhecemos. Mas... também seria dizer pouco e não chegaria sequer para traduzir uma migalha do que me fazes sentir. As palavras mais próximas do meu sentimento serão dizer-te que sem ti nada faria sentido na minha vida actual e futura. É em ti que me quero apoiar, é em ti que quero residir. É por ti que eu tenho esperança de colocar as minhas dores de lado e voltar a sorrir com sinceridade.
Quero que saibas que te recebi de coração bem aberto, enquanto meus braços se fechavam para te abraçar e naquele instante te prenderem para a eternidade!

Um beijo,
Emeralda"

PS: Telefona-me o mais depressa que puderes.

Zeferino, mal acabou de ler, respirou fundo e engoliu em seco. Sentia-se dividido. Por um lado sentia que tudo "aquilo" só podia (ou devia) ser valorizado pelos momentos bem passados é certo mas... fugazes e/ou efémeros e que não teriam impacto ou consequência na sua vida futura. Por outro, e tento em conta exclusivamente aqueles momentos únicos que tinha vivido naquele comboio, sentia uma alegria enorme que lhe aliviava a alma e parecia torná-lo mais leve fisicamente. 

Quando deu conta de si já tinha passado, há muito tempo, pela paragem de autocarro onde deveria ter saído... olhou em volta sem ver nada, sem conseguir sequer lembrar-se do rosto de Emeralda, atento apenas aos acordes de uma música lenta e celestial que parecia envolver todo o espaço e saída unicamente do interior do seu coração... 

(continua...) 

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Conto: Neto de um emigrante em Paris! (VI)

Aos primeiros raios do sol acordaram com os corpos enlaçados e, à medida que surgia no horizonte, iluminava a face daquela menina que ali permanecia deitada ao seu lado,  olhando-o quase sem pestanejar. Havia cumplicidade nesse olhar e apesar de se conhecerem há poucas horas parecia que se conheciam desde sempre!
Zeferino, enquanto assim pensava, viu um bloco de notas, uma caneta e um livro caídos no chão. O livro era o primeiro que Milan Kundera escreveu - A Brincadeira - que ela andava a ler e lhe tinha descrito, em pormenor, ao longo da madrugada e antes de adormecerem. Estava traduzido para espanhol e era um livro de amor, um romance que também criticava o regime comunista Checo. Ele ouvira-a descrever o seu conteúdo com muita atenção e interesse, hipnotizado pela história em si mesma mas também pela forma serena, meiga e apaixonada com que ela o fazia.

No fim do pequeno almoço que entretanto tomaram no bar ao mesmo tempo que viam passar pela janela as primeiras casas da cidade de Paris, Emeralda arrumou lentamente todas as suas coisas. A sua mala de viagem ficou rigorosamente organizada mas de tal forma cheia que a Zeferino deu a entender que ela, provavelmente, iria ficar para sempre em Paris...

E... chegaram ao destino: Gare du Nord-Paris. Emeralda olhou tristemente para o exterior pela porta lateral e ele rapidamente seguiu o seu olhar percebendo de imediato o que ela lhe estava a querer dizer...
Ele levantou-se e saiu num flash. Esperou a saída dela em frente à porta e ajudou-a a sair. Ela caminhava em direcção à saída olhando para o chão com um aspecto tímido e inseguro... lentamente foi levantando o olhar até estarem olhos-nos-olhos... lentamente ele alcançou a sua mão gelada e tremula que acariciou levemente, entrelaçaram os dedos dando as mãos, até que terminou a caminhada mesmo junto à porta de saída da estação.
Pararam um em frente do outro, não conseguiam falar, nem uma palavra lhes saia das gargantas colados de emoção... ela soluçava baixinho. Ele num misto de riso e contracção dos músculos faciais que reflectiam ansiedade mas também alegria e insegurança. E agora?! Pensava para si mesmo.
Aguardou mais alguns segundos mas não sabia bem o que esperar ou do que estava à espera. Mas não parecia querer mover-se um milímetro que fosse. Quando conseguiu lá deu um passo atrás, separando-se dela como quem se vai afastar... sendo esse o único gesto que lhe fez descolar a garganta. 
- Vais-te assim embora?! Já?! Onde vais? - disse ela assustada.
- Não – disse ele esboçando um sorriso – não vou sair daqui sem saber como te encontrar de novo!  

Sem responder ela retirou do bolso e entregou-lhe uma folha já arrancada do seu bloco de notas e que dizia logo na primeira linha: "lê só depois de nos separarmos". Nesse instante, uma senhora elegantemente vestida e perfumada aproximou-se e cumprimentou-a alegremente com um forte abraço e quatro beijinhos. Era a mãe dela que depois de o cumprimentar cordialmente lhe pegou num braço e a encaminhou definitivamente para a saída, enquanto o motorista, devidamente fardado, lhe transportava a mala. Ele viu-as entrar para o banco traseiro de um Citroën DS preto (boca de sapo) de matrícula francesa, mas com uma chapa do corpo diplomático espanhol.

Ficou sozinho e pensativo. A vida é muito estranha e feita de casos e acontecimentos. Alguns planeados, outros apenas sonhados, outros inesperados ou imprevistos.
Assim foi esta viagem. Uma viagem que ele tinha imaginado maçadora e solitária e que acabou por se revelar maravilhosa e partilhada com alguém, até aí completamente desconhecido, que lhe mostrou o lado bom da vida e um Mundo belo e ... mágico

No meio deste turbilhão de pensamentos olhou e viu o autocarro que queria apanhar, ou deveria ter apanhado, a afastar-se rapidamente… 
  (continua...) 


Não deixarei de...

A fotografia é recente e "tirei-a" na praia da Granja.
O texto é apenas um pequeno devaneio...

PS: Se "clicar" na fotografia poderá ver (e ler) com melhor qualidade :-)

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Conto: Neto de um emigrante em Paris! (V)

Zeferino acordou com desconforto. A temperatura caíra tornando as roupas de Primavera insuficientes para se sentir cómodo e aconchegado. Procurando corrigir a posição desconfortável em que tinha vindo a dormir, decidiu deitar-se ao comprido num dos bancos, depois de se enfiar no saco-cama que retirara da mochila. Arrependeu-se logo de seguida quando reparou que Emeralda continuava sentada no seu lugar e apenas com a roupa leve que trazia. Levantou-se e ofereceu-lhe o saco-cama. Ela prontamente recusou. Deitou-se de novo, cobrindo-se com o agasalho e ensaiou a pergunta seguinte. Fez um esforço para que a voz não se lhe apagasse a meio e sugeriu então que o partilhassem. Ela sorriu surpreendida e - algo indecisa - acabou por aceitar. Apesar do seu corpo franzino, as suas formas acabaram por revelar-se anatomicamente perfeitas para o espaço disponível. O saco-cama, esse, acabou por revelar-se extremamente acolhedor e capaz de aumentar rapidamente a temperatura corporal... 

Já muito perto da cidade de Bordéus um revisor fardado irrompeu pelo compartimento ocupado apenas pelos dois e, depois de os saudar com cordialidade, pediu-lhes os bilhetes e aguardou com ar condescendente. Cada um apresentou-lhe o seu. O revisor olhou para Zeferino e disse-lhe em tom grave: - o seu bilhete é de segunda classe, não pode viajar aqui em 1ª. Sabe disso, não sabe?
Envergonhado e com sentimentos ambivalentes de revolta consigo próprio por ainda não se ter dado conta disso e por outro muito satisfeito por tudo o que tinha ganho devido a esse mesmo engano, retorquiu de forma atabalhoada e muito embaraçado: - Desculpe mas não sabia disso. Sabe ... hãããmm... é a primeira vez que viajo para tão longe e, provavelmente na fronteira, enganei-me. Não foi por maldade ou por querer fazer batota, foi mesmo por engano
- Não, não ... a culpa é minha, disse Emeralda
- Sua!? Ripostou admirado o revisor
- Sim, sim, sabe ... eu entrei numa estação perto de San Sebastián, ainda em Espanha, e tenho um bilhete de 1ª classe mas fiz - por engano - a viagem até Irun/Hendaye numa carruagem de 2ª, onde - por feliz coincidência - tive a oportunidade de conhecer aqui o Zeferino com quem simpatizei muito. Ao fazermos o transbordo na fronteira combinámos fazer companhia um ao outro o resto da viagem. Eu entrei primeiro, ele seguiu-me e de certeza nem reparou que entrámos para uma carruagem de 1ª classe. Disse Emeralda de um só fôlego e num francês perfeito.
- Está bem, está bem, eu compreendo e não lhe aplico a multa prevista para estas situações mas ... terá de regressar ao seu lugar ou então, se quiser continuar em 1ª classe, deverá pagar a diferença daqui até Paris, respondeu o revisor.
Zeferino, depois de pagar uma quantia que lhe pareceu exorbitante viu o revisor sair, não sem antes lhes desejar educadamente uma boa noite e boa viagem.
- Obrigado Emeralda! Foste impecável na forma como me desculpaste perante o revisor - disse Zeferino logo que ficaram a sós.
- Ora essa! Não fiz nada de mais, só disse a verdade. E, além de tudo, gostei da forma tranquila e civilizada como resolveste o problema, respondeu Emeralda
Ele então, sorrindo, perguntou-lhe: - Bom, verdadeiramente, quem resolveu o problema foste tu ... mas ... mas ... quando disseste ao revisor que simpatizaste comigo estavas a ser sincera?
Ela, aconchegando-se mais a ele dentro do saco-cama, respondeu-lhe carinhosamente mas em basco: -Beraz, ez engaina zure oharrak? 

Que é o mesmo que dizer em Português: -Então não se nota seu tonto? 
  (continua...)