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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Um livro não está no livro em si, mas está em nós... (I)

Já tive a oportunidade de aqui referir a importância que a Biblioteca do Museu Berta Cabral, em Vila Flor, teve no meu processo de ensino/aprendizagem. Sobretudo na forma como aprendi a organizar e a sistematizar as informações e os conhecimentos, a pensar e a encontrar respostas para os problemas que ia enfrentando.
De facto, foi aqui, nesta Biblioteca (que passei a frequentar aos 15 ou 16 anos) que sedimentei os meus hábitos de leitura.
Recordo que um dos primeiros livros que aqui li e que mais me impressionou foi "O Sorriso ao Pé das Escadas", de Henry Miller. A história criada por este grande escritor tem como protagonista um palhaço, Augusto, que consegue levar, como nenhum outro, o seu público à apoteose. O problema na vida de Augusto é que, apesar de conseguir levar alegria à vida daqueles que assistem aos seus espectáculos, falha absolutamente em conseguir ele próprio ser feliz. Por isso mesmo, decide abandonar o seu circo e partir em busca daquilo que o poderá realmente fazer feliz.
Ficou-me deste livro uma forte impressão e também a convicção de que é muito saudável adquirirmos a capacidade de rir de nós próprios.
Quando acabei de ler este livro pedi ao Senhor Raúl de Sá Correia para me deixar ler outro livro do mesmo autor. O Senhor Raúl, como carinhosamente o tratava, dedicou grande parte da sua vida na criação e manutenção desta biblioteca e a desempenhar, com zelo e dedicação, o seu cargo de Director do Museu. Para além de todas essas qualidades ele era atencioso e prestável para toda a gente e, especialmente, para os jovens que então frequentavam a Biblioteca.
Ao meu pedido ele respondeu mais ou menos assim:
- Olha rapaz, há livros para os quais nós temos de crescer até os podermos ler e compreender.
- Mas eu li este último deste autor... que compreendi e gostei muito! Respondi
- Bom! Então está bem. Espera aí que eu vou ver se te arranjo outro.
Depois de alguns minutos ele apareceu com o livro "Um Diabo no Paraíso", que li com sofreguidão. No final do livro pediu-me para lhe fazer um resumo. Deu-me uma enorme satisfação responder da seguinte forma: Sabe, Senhor Raúl, o autor neste livro faz a comparação entre a forma de viver dos europeus com a dos americanos ao mesmo tempo que nos obriga a avaliar a nossa atitude perante os desafios que a vida nos oferece. É uma exploração da ideia de copo meio-cheio/copo meio-vazio, que é uma metáfora característica da maneira de ser dos americanos.
Ele sorriu, acenou enigmaticamente a cabeça e respondeu: Muito bem, vejo que estás à altura de interpretar e retirar dos textos o essencial da mensagem mas… deste autor, por enquanto, não podes ler mais nenhum livro.

Só muito mais tarde compreendi a razão pela qual ele, nessa época, achou inoportuno que eu lesse mais livros desse autor...

(Continua)

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