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quarta-feira, 1 de maio de 2013

Conto: Neto de um emigrante em Paris! (XXII)

Jean Paul continuou a dissertar sobre si e sobre o seu percurso de vida, num longo monólogo que Zeferino ouvia com alguma impaciência ao mesmo tempo que o tempo demorava a passar: "A minha aldeia ficava lá longe e distante dos grandes centros urbanos". Aqui Zeferino pensou: dizes isso porque não conheces a minha lá em Trás-os-Montes! 

Mas ele não se calava. "Como deves calcular, devido ao isolamento da aldeia acabei por frequentar apenas a escola primária, pelo que só mais tarde, já adulto, frequentei uma outra escola, onde obtive formação profissional e um diploma académico correspondente ao ensino médio. Tive como directora desse curso a professora Simone que era uma belíssima senhora mas cujo marido se tinha reformado antecipadamente das suas funções maritais. Engraçou comigo e apoiou-me naquilo que pode. Posso mesmo dizer, sem qualquer dúvida, que foi a principal responsável por toda a minha formação  profissional, sexual e académica. Muito devo a essa senhora que já lá está na companhia dos anjos!”.

Zeferino tentava desligar-se da conversa do motorista. Sentia-se farto, cansado... queria simplesmente encostar-se melhor, fechar os olhos e adormecer. Adormecer para os pensamentos sombrios, para os problemas, para as dores... Adormecer para o que existe de feio no mundo. Permanecer por um tempo alheio a tudo o que existe para se refazer e ao acordar poder ver todas as coisas com olhos novos, com a autenticidade do adolescente que ainda era e que se arrebatava e se divertia, ou aborrecia, facilmente com cada descoberta que ia fazendo.

Mas Jean Paul não estava para aí virado e continuava no seu discurso. (…) “Fui criado juntamente com 6 irmãos, dois gémeos mais novos dois anos do que eu e três irmãs mais velhas, um cavalo, uma égua, uma vaca, algumas cabras e muitas galinhas... todos vivíamos mais ou menos harmoniosamente em três divisões na exígua casa onde nasci”… “Naquele tempo as dificuldades eram de toda a ordem, da alimentação ao agasalho, da educação ao lazer, tudo era conquistado com muito esforço quer dos mais velhos, quer dos jovens e das crianças”… “Porém a vida decorria placidamente e se o inverno era rigoroso, o calor de verão era impiedoso”“Até aos 20 anos decorreram banalidades várias na minha vida, até que fiz o tal curso profissional com a minha mestre Simone. No final, e porque o marido já andava desconfiado, ela arranjou-me este emprego aqui na quinta do seu primo afastado M. Roland e despachou-me a grande velocidade”…

A viagem decorria assim monocórdica, lenta e aborrecida. Para não pagar a portagem da autoestrada (A10) Jean Paul conduziu sempre o seu camião por uma estrada secundária que se encontrava em relativo mau estado de piso e sempre paralela ao Rio Loire. Zeferino ia apreciando a paisagem e as diversas localidades de reduzidas dimensões mas que lhe prendiam a atenção pela arquietectura das casas muito diferente do que estava habituado a ver em Portugal. Até que em Saint-Denis-sur-Loire, já muito perto da pequena cidade de Blois, Jean Paul resolveu parar. “Vou ali e já venho. Fica aqui e toma conta do camião.” Disse-lhe no seu sotaque açoriano francês. Regressou passados aí uns dez minutos acompanhado por uma rapariga loura e com uma saia curtíssima que permitia a visão de umas pernas longas e bem torneadas. Retomaram a viagem com a miúda sentada entre os dois mas muito encostada a Jean Paul. Zeferino não pode deixar de ver pelo reflexo do para-brisas como a mão dela o acariciava entre as pernas. “Isto promete”, pensou ele. E, de facto, na cidade de Blois Jean Paul parou, virou-se para Zeferino e, ao mesmo tempo que lhe piscava o olho direito, lhe disse: “ficas aqui um pouquinho que eu vou levar a minha amiga Yolande ao paraíso e já volto”. Pois que remédio, pensou Zeferino.

Depois de uma longa espera Jean Paul lá regressou sozinho e bem-disposto. Retomaram a viagem e ao chegarem ao destino (Tours) Jean Paul propôs a Zeferino: “ se me ajudares a descarregar a mercadoria no cliente de M. Roland eu prometo-te que te dou boleia, pela A10, até à cidade de Poitiers e ganhas assim mais uns quilómetros da tua longa viagem.

(continua...)

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