"- Queridos pais - começava assim a carta.
Espero que esteja tudo bem e que esta carta os vá encontrar de boa saúde.
Estou contentíssimo. Foi antecipado o calendário do nosso batalhão e daqui a
quinze dias vou gozar a minha primeira licença de uma semana. Anseio tanto por vos
ver, por estar convosco…
Por aqui as coisas têm estado mais ou menos difíceis, os “tugas” avançam em
força mas estamos aguentando e em breve iremos receber reforços.
O nosso comandante falou ontem às tropas e disse que nos estávamos a
defender muito bem e com muita bravura. As nossas forças estão a preparar um
contra golpe, que nos fará progredir em todas as frentes e que a guerra tenderá
a acabar com o empenho de todos. Que iremos sair vitoriosos.
Já lhes disse na carta anterior que o posto onde estou agora é
relativamente sossegado e seguro, por isso nada de preocupações.
Eu estou bem graças a Deus, embora cheio de saudades de todos.
Digam à Helena que não fique em cuidados por não lhe escrever desta vez,
pois daqui a dias estaremos juntos se Deus quiser.
Digam-lhe que a amo muito e que anseio por ela e pelo dia do nosso
casamento.
Beijos a todos e renovadas saudades.
Vosso filho que vos adora".
Dobrei a carta e voltei a colocá-la no envelope. Um sentimento de
sacrilégio tomou-me todos os sentidos, e chorei como há muito o não fazia.
Helena... A namorada dele também se chamava Helena!
Cumpri as rotinas: certifiquei-me da sua identificação. Ao verificar-lhe os bolsos retirei vários objectos mas o que mais me prendeu a atenção foi uma fotografia. A fotografia da sua Helena: um sorriso lindo e luminoso, cabelos encarapinhados e olhos escuros como os seus. Senti o coração parar com o sentimento de arrependimento que tomou conta de mim.
Mas... foi ao fazer a operação de segurança da arma que fiquei no estado de
destroçado, desprezível até, em que me encontro agora: o carregador não tinha já
munições, a câmara estava vazia.
A arma... a arma estava descarregada... meu Deus...
(Continua...)
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