Olha a novidade! Então não estamos no Inverno (?) e em tempo de chuva!!??-
responde, de pronto, a Amélia no seu feitio rezingão.
Para serenar leio. Estou a ler o romance “Ernestina”, de J. Rentes de Carvalho, que a minha filha me ofereceu pelo meu aniversário. Nesta espécie de autobiografia o escritor viaja por terras de Trás-os-Montes, descrevendo paisagens, lugares, localidades e, sobretudo, o carácter das gentes transmontanas. Faz assim um retrato escrito num estilo directo e por vezes irónico de lugares e de um povo que tanto me diz.
Faço um intervalo. Provavelmente inspirado por esta leitura e, imbuído por esse espírito saudosista que por vezes me trai, fui rebuscar nas minhas memórias longínquas, dias
também chuvosos e frios de outrora. Recordo esses dias e dias seguidos de chuva
intensa que via cair encostado à porta de entrada do “soto”, como o meu pai chamava à pequena mercearia de aldeia que
abriu num dos compartimentos da casa onde todos vivíamos. Essa porta dava para
a rua principal da aldeia que fazia a ligação do Largo da Lameira até ao Largo do
Eitão, os pontos nevrálgicos da aldeia. O primeiro porque ficava mesmo ao lado
da Igreja (e da nossa casa), o segundo porque era aí que as pessoas
socializavam, quer nas tabernas, quer ao lado e em frente da casa da escola.
Chamavam-lhe a rua Larga mas, naquele ponto em frente da nossa casa, tornava-se bastante estreita e muito inclinada pelo que nestes dias de chuva intensa mais parecia um pequeno ribeiro por onde eu via passar com admiração, espanto e algum temor, arrastados pela força da corrente, paus, lama, pedras a rolar, folhas e enormes quantidades de dejectos que os animais depositavam pelos caminhos e que normalmente eram apanhados à mão para servirem de fertilizante natural.
Chamavam-lhe a rua Larga mas, naquele ponto em frente da nossa casa, tornava-se bastante estreita e muito inclinada pelo que nestes dias de chuva intensa mais parecia um pequeno ribeiro por onde eu via passar com admiração, espanto e algum temor, arrastados pela força da corrente, paus, lama, pedras a rolar, folhas e enormes quantidades de dejectos que os animais depositavam pelos caminhos e que normalmente eram apanhados à mão para servirem de fertilizante natural.
Ao fim de muitos dias de chuva sem parar vinham invariavelmente os prejuízos.
Os charcos e ribeiros que extravasavam, os valados que ruíam, as bolsas de água
acumuladas no subsolo que rebentavam e arrastavam tudo por onde passasse a
violenta enxurrada, árvores que caíam, calhaus enormes que se desprendiam e
rolavam encosta abaixo… Era tempo de esvaziar os palheiros para alimentar os
animais e de consumir os proveitos acumulados no verão.
Mas de cheias não ouvíamos falar... Lá na minha terra onde vivi até aos sete anos de idade, situada
nos confins do mundo, no lugar de Pinhal do Douro, Freguesia de Vilarinho da
Castanheira, Concelho de Carrazeda de Ansiães, não havia disso e as notícias
não se difundiam na hora como actualmente. Mesmo assim, havia um cuidado
extremo com a limpeza dos cursos de água, nalguns casos por receio da força da
lei imposta pelos então existentes (e sempre presentes) Guarda-Rios, e noutros em geral porque havia o sentimento de zelo que
impelia as pessoas a se prevenirem e a demonstrarem um respeito absoluto pelas
forças da natureza. Era inconcebível ousar obstruir os cursos naturais da água
ou opor-se ao estabelecimento de pequenas valas por onde se desviavam as águas
pluviais para não danificarem os caminhos, únicas vias de comunicação que
existiam na época e de vital importância para as populações.
Contudo, os tempos mudaram e, como disse o poeta, as vontades também. A memória
é curta e cometem-se atropelos ambientais de bradar aos céus. São
esses atropelos que provocam muitos dos malefícios que ultimamente se têm feito
sentir como consequência das fortes chuvadas.
Estranho é apenas o facto de em tão pouco tempo, mesmo tendo
em conta a intensidade da chuva, do vento e das marés altíssimas, ocorrerem enchentes com tanta frequência nas margens dos rios e tantos estragos na orla marítima como as que se verificaram ultimamente.
E pronto… mais uma tarde de segunda-feira, deste início de Março, assim passada
entre estas quatro paredes e com esta vontade, que por vezes me assalta, de baixar a
persiana, apagar a luz e mergulhar no “baú” das minhas recordações: retornar à
infância cada vez mais longínqua, rever a luz do dia como uma esperança que
renasce, olhar o horizonte e sentir vontade de o ultrapassar para ver que vidas
existiam do outro lado, percorrer caminhos que já se apagaram, relembrar amigos
nunca mais encontrados, familiares já desaparecidos, paisagens alteradas…
tanta coisa que parece nada mas que era toda uma vida cheia de ilusão, de fé e
de confiança…
fixe:)
ResponderEliminarObrigado, Luís.
ResponderEliminarQual de mais qual carapuça. Já te esqueceste das "origens" geográficas e da formação inicial? DEMAIS !!!! SEU "MILHAFRE A QUEM CHAMAM ÁGUIA" Demais é a tua insistência (empírica) no raio das “FRUTAS”.
ResponderEliminarMas mesmo assim: 1 grande abraço.
MAFreire
Ora ai está o meu "velho" amigo com o seu espírito frontal e honesto a resmungar quando as coisas não lhe correm (neste caso desportivamente) como ele quer... ehehe Não esqueci, nem nunca esquecerei, as origens tanto assim que neste texto fui mesmo até à minha infância e até à terra que me viu nascer. Prometo que vou deixar a "fruta" e saborear a vitória do meu Benfica... SE (e repito SE) ela vier a acontecer :-) Um grande abraço
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