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quinta-feira, 11 de julho de 2013

Conto: Neto de um emigrante em Paris! (XXVIII)

Tudo o que sabia de Bordéus era aquilo que tinha ouvido pela boca de outros, nomeadamente do seu professor de Geografia. Mas, logo desde o início da caminhada, ficou fascinado pela sua beleza.
Durante três horas percorreu as ruas desconhecidas com a magia de não saber o que o esperava para lá da próxima esquina. Um espantoso monumento aqui! O rio mesmo ali! Uma praça enorme e com uma atmosfera romântica bem no centro!
Os seus olhos não podiam acreditar no que viam, era tudo tão diferente daquilo que ele tinha visto até aquele dia! Foi apreciando as ruas do centro da cidade com os seus edifícios que não possuíam mais de dois ou três pisos, tão característicos daquela região da costa Atlântica, no sudoeste de França.
Depois admirou o rio Garona, o seu estuário e as suas belíssimas pontes sobretudo a Ponte de Aquitânia que atravessou num sentido e no outro. De repente descobriu, escondido por edifícios da Rue Saint-James o famoso Grosse Cloche de Bordéus, que é um enorme campanário da antiga Câmara Municipal, num edifício que remonta à Idade Média.
Não muito longe dali, Zeferino descobriu o Grand Theatre - Opéra National de Bordéus, que o impressionou pela sua imponência e beleza arquitectónica e que fica quase em frente à principal praça da cidade, numa enorme avenida paralela ao rio Garona.
Ao chegar à Place de la Bourse (Place Royale) Zeferino sentou-se numa esplanada de um dos muitos cafés e restaurantes que a abraçam. Anoitecia e o jogo de luzes que realçavam os traços da arquitectura dos belíssimos edifícios tornou, aos seus olhos, o espaço verdadeiramente imponente. A esplanada formava uma espécie de anfiteatro virado para o rio Garona e de onde podia ver as pessoas passearem num enorme espelho de água que lhe criava a ilusão, assim ao longe, de que estavam sobre a água. Uma impressionante sensação de bem-estar inundou-o! Um ambiente romântico envolvia-o. Só em Paris, a cidade do amor, e com Emeralda a seu lado se tinha sentido melhor.

De repente, reparou num homem e numa mulher sentados mesmo na mesa ao lado da sua. Ela bebia um chá verde e comia meia torrada com doce de abóbora. Ele bebia café simples e comia a outra meia torrada mas com manteiga. Falavam de coisas triviais. Do tempo e da temperatura agradável tendo em conta que se estava na segunda metade do mês de Abril. Dos respectivos trabalhos, monótonos. Das suas vidas passadas mas não do presente, nem do futuro. Encontravam-se em terra de ninguém, num momento fora dos seus mundos, fora das suas vidas. Até que a conversa descambou e prendeu ainda mais a atenção de Zeferino.
– Posso dizer-te uma coisa?
Ele olhou-a, ergueu ligeiramente as sobrancelhas, cerrou os lábios e acenou que sim com a cabeça.
– Podes – reforçou, curioso, mas procurando não dar expressão à curiosidade.
Ela manteve o seu olhar fixo no dele, hesitou à procura das palavras certas e declarou, sem qualquer inflexão irónica: – Pensava que gostavas de mim.
Ele arregalou os olhos por um momento breve, controlou a surpresa e a expressão facial e retorquiu, com um ligeiro sorriso: – Pensavas?
– Pensava – ela reforçava as palavras acenando a cabeça na vertical. – Pensava mesmo, mas agora já não sei.
Ele levou um pedaço de torrada à boca enquanto ela falava, mordeu metade, mastigou e engoliu em silêncio. Ela piscava os olhos duas vezes de cada vez, num tique nervoso que não conseguia disfarçar e bebeu um gole de chá.
– Não me achas atraente? – perguntou ela de chofre, sem se conseguir conter, ainda com a chávena na mão, mas dando a sensação de que se arrependera logo que se ouviu falar.
Ele manteve o ar impassível, o que a irritou, e respondeu sorrindo só com a boca: – Acho-te muito atraente – declarou ele, por fim e arrancou para um discurso quase de fazer chorar as pedras da calçada.
Ela parecia ouvia-lo com muita atenção. De repente interrompeu-o e perguntou-lhe ainda sorrindo: – Sabes do que me lembrei?
Ele ouviu-lhe a interrupção em tom sensual e vendo-a a sorrir, afastar a chávena quase vazia e o prato onde ainda restava um palito da torrada e agarrar na carteira para pagar, apostou no seu melhor olhar de carneiro mal morto, sorriu de viés, como o caçador que sabe que a presa não tem hipóteses de fuga, sussurrou que já estava tudo pago e dobrando-se sobre a mesa para se aproximar dela murmurou insinuante: – De quê, querida, lembraste-te de quê?
Ela levantou-se, pousou as mãos na mesa, aproximou o seu rosto do dele, beijou-o na face, com suavidade e ficou frente a frente, nariz com nariz: – Que tenho mais que fazer, Pierre! Deu-lhe um beijo na outra bochecha e despediu-se: – Adeus.
Ele deixou-se cair na cadeira, ao lado da outra que permaneceu vazia, e ela, agarrando a mala, seguiu sem olhar para trás, dizendo baixinho: adieu, addio, aufwiedersehen, goodbye.

Zeferino sentiu que também se despediam dele, levantou-se tristemente, pagou a sua despesa e regressou ao quarto alugado nessa manhã… 
(continua...)


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