Tudo
o que sabia de Bordéus era aquilo que tinha ouvido pela boca de outros,
nomeadamente do seu professor de Geografia. Mas, logo desde o início da
caminhada, ficou fascinado pela sua beleza.
Durante três horas percorreu as ruas desconhecidas com a magia de não saber o
que o esperava para lá da próxima esquina. Um espantoso monumento aqui! O rio
mesmo ali! Uma praça enorme e com uma atmosfera romântica bem no centro!
Os
seus olhos não podiam acreditar no que viam, era tudo tão diferente daquilo que
ele tinha visto até aquele dia! Foi apreciando as ruas do centro da cidade com
os seus edifícios que não possuíam mais de dois ou três pisos, tão
característicos daquela região da costa Atlântica, no sudoeste de França.
Depois
admirou o rio Garona, o seu estuário e as suas belíssimas pontes sobretudo a
Ponte de Aquitânia que atravessou num sentido e no outro. De
repente descobriu, escondido por edifícios da Rue Saint-James o famoso Grosse Cloche de Bordéus, que é um enorme campanário da antiga Câmara Municipal, num
edifício que remonta à Idade Média.
Não
muito longe dali, Zeferino descobriu o Grand Theatre - Opéra National de Bordéus, que o impressionou pela sua imponência e beleza arquitectónica e que
fica quase em frente à principal praça da cidade, numa enorme avenida paralela
ao rio Garona.
Ao
chegar à Place de la Bourse (Place Royale) Zeferino sentou-se numa esplanada de
um dos muitos cafés e restaurantes que a abraçam. Anoitecia e o jogo de luzes
que realçavam os traços da arquitectura dos belíssimos edifícios tornou, aos
seus olhos, o espaço verdadeiramente imponente. A esplanada formava uma espécie
de anfiteatro virado para o rio Garona e de onde podia ver as pessoas passearem
num enorme espelho de água que lhe criava a ilusão, assim ao longe, de que
estavam sobre a água. Uma impressionante sensação de bem-estar inundou-o! Um
ambiente romântico envolvia-o. Só em Paris, a cidade do amor, e com Emeralda a
seu lado se tinha sentido melhor.
De
repente, reparou num homem e numa mulher sentados mesmo na mesa ao lado da sua.
Ela bebia um chá verde e comia meia torrada com doce de abóbora. Ele bebia café
simples e comia a outra meia torrada mas com manteiga. Falavam de coisas
triviais. Do tempo e da temperatura agradável tendo em conta que se estava na
segunda metade do mês de Abril. Dos respectivos trabalhos, monótonos. Das suas
vidas passadas mas não do presente, nem do futuro. Encontravam-se em terra de
ninguém, num momento fora dos seus mundos, fora das suas vidas. Até que a
conversa descambou e prendeu ainda mais a atenção de Zeferino.
–
Posso dizer-te uma coisa?
Ele
olhou-a, ergueu ligeiramente as sobrancelhas, cerrou os lábios e acenou que sim
com a cabeça.
–
Podes – reforçou, curioso, mas procurando não dar expressão à
curiosidade.
Ela
manteve o seu olhar fixo no dele, hesitou à procura das palavras certas e declarou,
sem qualquer inflexão irónica: – Pensava que gostavas de mim.
Ele
arregalou os olhos por um momento breve, controlou a surpresa e a expressão
facial e retorquiu, com um ligeiro sorriso: – Pensavas?
–
Pensava – ela reforçava as palavras acenando a cabeça na
vertical. – Pensava mesmo, mas agora já não sei.
Ele
levou um pedaço de torrada à boca enquanto ela falava, mordeu metade, mastigou
e engoliu em silêncio. Ela piscava os olhos duas vezes de cada vez, num tique
nervoso que não conseguia disfarçar e bebeu um gole de chá.
–
Não me achas atraente? – perguntou ela de chofre, sem
se conseguir conter, ainda com a chávena na mão, mas dando a sensação de que se
arrependera logo que se ouviu falar.
Ele
manteve o ar impassível, o que a irritou, e respondeu sorrindo só com a boca: –
Acho-te muito atraente – declarou ele, por fim e arrancou para um
discurso quase de fazer chorar as pedras da calçada.
Ela
parecia ouvia-lo com muita atenção. De repente interrompeu-o e perguntou-lhe
ainda sorrindo: – Sabes do que me lembrei?
Ele
ouviu-lhe a interrupção em tom sensual e vendo-a a sorrir,
afastar a chávena quase vazia e o prato onde ainda restava um palito da torrada
e agarrar na carteira para pagar, apostou no seu melhor olhar de carneiro mal
morto, sorriu de viés, como o caçador que sabe que a presa não tem hipóteses de
fuga, sussurrou que já estava tudo pago e dobrando-se sobre a mesa para se
aproximar dela murmurou insinuante: – De quê, querida,
lembraste-te de quê?
Ela
levantou-se, pousou as mãos na mesa, aproximou o seu rosto do dele, beijou-o na
face, com suavidade e ficou frente a frente, nariz com nariz: – Que tenho
mais que fazer, Pierre! Deu-lhe um beijo na outra bochecha e
despediu-se: – Adeus.
Ele
deixou-se cair na cadeira, ao lado da outra que permaneceu vazia, e ela, agarrando a mala,
seguiu sem olhar para trás, dizendo baixinho: adieu, addio,
aufwiedersehen, goodbye.
Zeferino sentiu que também se despediam dele,
levantou-se tristemente, pagou a sua despesa e regressou ao quarto alugado nessa manhã…
(continua...)
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