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sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Conto: O neto de um emigrante em Paris! (II)

Fez a primeira parte da viagem dentro do território espanhol absorvido nos seus pensamentos, recordando a família e os primeiros anos de vida vividos na aldeia onde nascera, lá no interior do Nordeste Transmontano - o berço da sua infância. No bolso, ciosamente guardado, o dinheiro que a mãe lhe dera e tirara do fundo do gavetão da comoda do seu quarto onde guardava o fruto das suas poupanças.

"Tudo correu bem até aqui", pensou. Olhou ao seu redor e verificou que a carruagem estava quase cheia. Achava natural que quando um grupo de pessoas se encontra pela primeira vez exista pouca familiaridade e que exista mesmo uma incerteza provocada pelo novo ambiente. Estava habituado a que nestas circunstâncias cada um se preocupasse consigo mesmo e nas suas necessidades em detrimento dos outros. Estava portanto preparado para ser cauteloso e reservado. Também já sabia que nestas situações tende a haver muito silêncio, pausas e pouca comunicação e quando falam as pessoas tendem a ser bem-educadas e a mostrar a sua melhor face.

Mas... aqui não se passa nada disso! - reconheceu.  E ... sentiu-se bem naquele ambiente barulhento é certo mas simultaneamente sereno, tranquilo e acolhedor.

Apesar de dividir a carruagem com uma multidão de pessoas, constituída na sua maioria por emigrantes e/ou familiares, que falavam alto e sem parar, deixou-se de início embalar tranquilamente ao ritmo do comboio. 
Curiosamente essas pessoas desconhecidas e que se tornaram seus companheiros de viagem, de caras ignoradas e estranhas no início, revelaram-se simpáticas e as suas conversas abertas e desprovidas de preconceitos provocavam o riso com facilidade e deixavam no ar uma energia positiva que transformaram o seu receio e desconforto inicial em confiança e bem-estar.
Deu-se conta que estava pela primeira vez num país estrangeiro, sentiu-se solto e desprendido de qualquer tipo de amarra social e com uma verdadeira sensação de liberdade. 
De repente, deu consigo a falar com esses desconhecidos e a dizer-lhes o que lhe ia na alma com a certeza de que nenhuma das suas palavras sairia daquele local. Libertou o seu coração, desprendendo-se dos medos criados pela sociedade porque sentiu que podia dizer tudo com franqueza e honestidade, como se estivesse num confessionário comum e global... até porque provavelmente nunca mais iria ver essas pessoas na sua vida. 
Ao fim de algumas horas de viagem sentiu que já ninguém o olhava de lado, todos o tratavam com respeito, ouviam as suas palavras e mesmo que não comungassem da mesma opinião afirmavam-no com frontalidade expondo o seu ponto de vista, mas sem deixarem de aceitar e respeitar o ponto de vista do outro.

Deixou-se ir, ora participando nas conversas, ora apreciando a paisagem que via passar pela janela, passando por momentos profundamente relaxantes e de um bem-estar absolutamente renovador.
(continua...)

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