Aproveitando-se deste ambiente algo medonho para mim, o “Manel”, tratou logo de o por ainda mais
feio contando-me histórias protagonizadas por homens e feras, lobos e
lobisomens. Já assustado e na dúvida se tudo aquilo que ele contava eram apenas
meras fantasias ou histórias verdadeiras afastei-me um pouco, olhei para o
horizonte e… é quando vejo entre as árvores, numa das partes mais elevadas da encosta e recortado no céu azul impregnado de nuvens brancas, um homem muito
alto, de chapéu sujo e roto, vestido com roupa imunda de cor escura e com uma
arma enorme pendurada no seu ombro direito e... a dirigir-se na nossa direcção…
Um calafrio glacial percorreu todo o meu corpo e todos os
cabelos se retesaram como os picos de um ouriço-cacheiro. Ficámos os dois sem
palavras, olhámos um para o outro e, de repente, começámos a correr com todas
as nossas forças, fugindo daquela figura ameaçadora em direcção ao local onde
estava o meu avô, procurando a sua protecção.
Ainda me virei uma vez para trás e foi quando a luz solar,
de repente, pareceu começar a dar sinais de esbatimento, acentuando ainda mais
as sombras do arvoredo e aumentar a figura sinistra que de nós se
aproximava.
O meu avô depois de entender a razão da nossa preocupação reagiu
com toda a naturalidade demonstrando um sangue frio enorme e procurou acalmar-nos dizendo não haver motivo para inquietações. Mandou-nos, apesar disso, para junto da figueira que cobria o
charco de água e foi peremptório ao dizer-nos: "fiquem ai quietos e caladinhos".
Entretanto, o sinistro homem chegou, abordou o meu avô e falaram baixinho por
alguns minutos com toda a tranquilidade. Esses momentos foram terríveis para
mim. Parecia que algo pairava no ar que destoava do ambiente puro do local,
algo que, vindo de algum lugar indeterminado, penetrava nos meus sentidos e ali
permanecia dando por vezes a sensação de que provinha do interior do cérebro e
fazia com que ficasse cada vez mais atento ao que me rodeava.
De repente, o homem foi embora levando com ele o almoço e
uma garrafa de vinho tinto que estavam destinados ao meu avô e que fora o
motivo da nossa vinda aos “Cerejais”. Depois dele estar fora do nosso campo
visual, questionámos o avô que respondeu simplesmente: “o homem estava sem comer há três dias e eu não gosto de ver ninguém com
fome”!
(Continua)
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