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sexta-feira, 28 de junho de 2013

Conto: Neto de um emigrante em Paris! (XXV)

Zeferino passou a hora seguinte em completa solidão no meio de uma multidão de pessoas. À sua volta, todos se riam e conversavam. Toda a gente parecia feliz. De copos erguidos em brindes, e com os corpos rendidos ao toque mais íntimo de jovens encantados e apaixonados.
Levantou-se algo cobiçoso de todo esse ambiente e, reparando que ninguém reparava nele, pegou no seu copo e bebeu o seu conteúdo de uma só vez. Depois, e como que querendo vingar-se, pegou numa caneca enorme de cerveja acabada de pousar a seu lado no balcão e entornou-a para o seu até o encher completamente, saindo sorrateiramente para a rua sorrindo satisfeito consigo próprio da batotice acabada de cometer.
Lá fora estava uma noite fresca... Arrepiou-se, aconchegou a si a mochila e bebeu um trago da bebida fresca que de repente lhe transmitia uma estranha mas confortável sensação de calor.
Por uns instantes ficou imóvel a observar o copo de vidro embaciado, notando as gotas que escorriam entre aos seus dedos frios enquanto saboreava o último trago que levara aos lábios. Esse sabor a cerveja até há pouco tempo desconhecido e ao qual se habituara tão rapidamente. Mas o sabor da ausência é mais amargo e diferente do sabor da cevada que compõe a cerveja. Lembrou-se do tempo em que achava quase impossível manter uma relação com quem se conheceu num instante. Era para ele quase cruel pensar insistir em existir num espaço onde algo havia falhado por uma qualquer razão. As pessoas tinham de seguir em frente com as suas vidas, noutros rumos, em linhas afastadas. Pensava assim naquele instante e imaginou um pequeno poema olhando para o seu copo:

Trago-te na palma da mão
e sorvo-te só de um trago
sirvo-me de ti para esquecer
dás-me calor interior e por fora fico a tremer… ;-)

Sorriu de si mesmo e, de forma mais optimista, pensou: Há mais vida, haverá outras experiências e outras pessoas a quem querer bem sem ser necessário estar a vida inteira a fingir que não existem.
Levantou o copo e, apontando vagamente para um dos pontos cardeais, fez um brinde a essa que tinha "achado" num comboio e perdido assim tão rapidamente em Paris.
Foi andando um pouco sem destino, até que, e porque a solidão começava a pesar, acabou por consultar a morada escrita no papel e foi perguntando aos transeuntes qual a melhor direcção para aquela rua. E assim, passo a passo, casa a casa e rua a rua se foi aproximando da casa de Lille.
Aí chegado, tocou e perguntou por ela a um rapaz mais ou menos da sua idade que lhe abriu a porta. O jovem que era alto, mesmo muito alto e muito magro mandou-o entrar, ofereceu-lhe uma cerveja, fez-lhe algumas perguntas devido à sua pronúncia de estrangeiro e apresentou-o a alguns outros que deambulavam por ali. Ele, pelos vistos, também não conhecia todos os presentes. A Lille, entretanto, tinha ido a um sítio qualquer e ainda não tinha chegado.

Zeferino acabou por se sentar numa cadeira que tinha outra igualzinha mesmo ao seu lado, onde acabou por ficar quase uma hora. A cadeira ao lado da sua estava livre e, por isso, de vez em quando alguém se sentava ali e começava a falar com ele sem mais nem menos. Alguns, que não sabiam que ele era português, falavam de acontecimentos locais ou regionais, ao que ele respondia sempre da mesma forma, dizendo que não estava ao corrente de nada pois estava ali de passagem.
Durante esse tempo reparou numa garota que, por qualquer motivo, o interessou bastante. Não é que fosse especialmente bonita (a Lille, por exemplo, era muito mais atraente). Foi qualquer coisa daquelas que não se conseguem explicar, mas que faz com que de repente não se pense em mais nada senão em conhecer aquela pessoa. Como quase todos os presentes estavam a rodar pela cadeira junto da sua, decidiu ficar ali sentado à espera que chegasse a vez dela.

Dessa forma poderia meter conversa discretamente, com a justificação de que nem sequer tinha sido ele a ir ter com ela…
(continua...)

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