sábado, 2 de março de 2013

Conto: Neto de um emigrante em Paris! (XIX)

De mochila às costas e com todos os sonhos possíveis a germinar na cabeça Zeferino saiu bem cedo de casa do seu avô.  Ainda era noite escura às cinco da manhã desse dia 19 de Abril de 1971 e já se encontrava sentado e encostado a um enorme carvalho francês plantado à beira da estrada, numa localidade dos arredores de Paris para onde um familiar próximo o havia transportado no seu Renault 8 Gordini de 1968. 

Estava inspirado e mentalmente abraçava a noite enquanto aguardava boleia ou, em alternativa, a chegada do sol. Sentia a brisa no rosto e "encaixava" a gratidão a esse familiar e a seu avô como única opção que lhe restava, contrariando a tendência que o afastava de prazeres tão simples como a de viver a madrugada enquanto a lua não era relegada para segundo plano. 

Estava mentalmente preparado para fincar os pés no alcatrão, esticar o dedo e partir... disposto a partilhar a viagem com quem lhe abrisse as portas de qualquer carro e lhe permitisse seguir estrada fora rumo ao seu destino. Aceitaria boleia de quem parasse o carro e estivesse disposto a partilhar a sua companhia.  

Inevitavelmente pensava nos últimos acontecimentos ocorridos na sua vida: “Que chatice de vida esta em que o amor se deita fora a si mesmo, ou se vai embora assim de repente sem avisar e sem termos tempo para nos prepararmos para essa eventualidade”. Continuando nesta introspecção apeteceu-lhe resumir os últimos dias da sua vida da seguinte forma: "duas pessoas solitárias, em viagem, inquietas, conhecem-se, apaixonam-se e parece que decidem amar-se numa linha recta em direcção a lugar nenhum que é o tempo... como um longo beijo que se dá antes do precipício para o desconhecido"

De repente, e regressando para a realidade, deu-se conta de que ninguém reparou (ou fez que não reparou) no seu dedo esticado. Levantou-se e continuou com o dedo polegar no ar. Não tomou nota do número de pessoas que simulou não o ver: “devo ter ar de fora-da-lei ou de drogado”, pensou. Mas não desistiu até que uma Renault 4L parou mesmo a seu lado e um senhor com um bigode grande e branco, tipo Asterix, espreitando pela janela lhe perguntou para onde queria ir. Depois de se inteirar das intenções de Zeferino e, pelos vistos, achando-lhe alguma piada, deu-lhe a primeira boleia dessa que seria uma longa e interessantíssima viagem...


 (continua...) 

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