De
mochila às costas e com todos os sonhos possíveis a germinar na cabeça
Zeferino saiu bem cedo de casa do seu avô. Ainda era noite escura às
cinco da manhã desse dia 19 de Abril de 1971 e já se encontrava sentado e
encostado a um enorme carvalho francês plantado à beira da estrada, numa
localidade dos arredores de Paris para onde um familiar próximo o havia
transportado no seu Renault 8 Gordini de 1968.
Estava
inspirado e mentalmente abraçava a noite enquanto aguardava boleia ou, em
alternativa, a chegada do sol. Sentia
a brisa no rosto e "encaixava" a gratidão a esse familiar e a seu avô
como única opção que lhe restava, contrariando a tendência que o afastava de
prazeres tão simples como a de viver a madrugada enquanto a lua não era
relegada para segundo plano.
Estava mentalmente
preparado para fincar os pés no alcatrão, esticar o dedo e
partir... disposto a partilhar a viagem com quem lhe abrisse as portas de
qualquer carro e lhe permitisse seguir estrada fora rumo ao seu destino.
Aceitaria boleia de quem parasse o carro e estivesse disposto a partilhar a sua
companhia.
Inevitavelmente
pensava nos últimos acontecimentos ocorridos na sua vida: “Que chatice de
vida esta em que o amor se deita fora a si mesmo, ou se vai embora assim de
repente sem avisar e sem termos tempo para nos prepararmos para essa
eventualidade”. Continuando nesta introspecção apeteceu-lhe resumir os
últimos dias da sua vida da seguinte forma: "duas pessoas solitárias,
em viagem, inquietas, conhecem-se, apaixonam-se e parece que decidem amar-se
numa linha recta em direcção a lugar nenhum que é o tempo... como um longo
beijo que se dá antes do precipício para o desconhecido".
De
repente, e regressando para a realidade, deu-se conta de que ninguém reparou (ou fez que não reparou) no
seu dedo esticado. Levantou-se e continuou com o dedo polegar no ar. Não tomou
nota do número de pessoas que simulou não o ver: “devo ter ar de
fora-da-lei ou de drogado”, pensou. Mas não desistiu até que uma Renault 4L
parou mesmo a seu lado e um senhor com um bigode grande e branco, tipo Asterix,
espreitando pela janela lhe perguntou para onde queria ir. Depois de se
inteirar das intenções de Zeferino e, pelos vistos, achando-lhe alguma piada,
deu-lhe a primeira boleia dessa que seria uma longa e interessantíssima
viagem...
(continua...)
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