quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Conto: Neto de um emigrante em Paris! (VII)

Já no interior do autocarro que o levaria até próximo da casa de seu avô, Zeferino retirou do bolso o papel com a mensagem que Emeralda lhe havia deixado na despedida e começou a ler, com avidez, o seu conteúdo.
Para além do seu nome completo ela tinha também escrito uma morada e um número de telefone.

Depois vinha o resto do texto escrito num francês tecnicamente perfeito:  “Zefe: enquanto tu dormias, eu não conseguia conciliar o sono devido a esta  emoção nova, mas forte, com que tu me tocaste. Resolvi, por isso mesmo e para me tranquilizar, passar para o papel tudo aquilo que me ia na alma.
Este é um tempo não muito fácil para mim... quase tudo (de bom e de mau) me tem acontecido ao mesmo tempo e em catadupa. Como te disse estou no primeiro ano do Curso de Sociologia, em Madrid, e a adaptação não tem sido nada fácil sobretudo porque estou lá sozinha, numa cidade nova e num curso extremamente exigente. Estou (ou estava) portanto a fazer esta viagem em condições muito difíceis. Vou para Paris passar a Páscoa com a minha mãe que acabou de se separar de meu pai, que foi transferido em Janeiro último para a Embaixada de Espanha em Roma e onde se apaixonou por uma cantora de ópera italiana. Como não queria trair minha mãe, comunicou-lhe que se queria separar primeiro para depois poder seguir a sua nova paixão. Ao abandonar minha mãe, abandonou-me também a mim... pelo menos é o que eu sinto! Assim compreenderás melhor a minha fragilidade emocional e a minha tristeza que tu tão bem presentiste em mim no início da nossa viagem.
No meio de tudo isto, conhecer-te foi uma dádiva de Deus! Quando os teus lábios se prenderam nos meus, o meu coração saiu, disparado, voando alto nas alturas, agarrado às asas brancas cristalinas que rodeavam os nossos corpos. Não sei como aterrei. Recordo apenas que abri os olhos e vi o teu rosto, doce e meigo, respirando calmamente deitado a meu lado, dentro do teu confortável saco de dormir.
Antes de adormeceres beijaste-me de novo e olhaste-me intensamente. Aproveitando a luz ténue e residual do luar que entrava pela janela, vi o branco puro e limpo dos teus olhos, que se confundia com a luz radiosa que brotava do teu sorriso. Afaguei teu rosto e beijei os teus olhos verdes, murmurando baixinho palavras de amor, que tu não ouvias pois eram ditas apenas para mim. Dizer que te amo, poderia parecer extemporâneo devido ao pouco tempo que nos conhecemos. Mas... também seria dizer pouco e não chegaria sequer para traduzir uma migalha do que me fazes sentir. As palavras mais próximas do meu sentimento serão dizer-te que sem ti nada faria sentido na minha vida actual e futura. É em ti que me quero apoiar, é em ti que quero residir. É por ti que eu tenho esperança de colocar as minhas dores de lado e voltar a sorrir com sinceridade.
Quero que saibas que te recebi de coração bem aberto, enquanto meus braços se fechavam para te abraçar e naquele instante te prenderem para a eternidade!

Um beijo,
Emeralda"

PS: Telefona-me o mais depressa que puderes.

Zeferino, mal acabou de ler, respirou fundo e engoliu em seco. Sentia-se dividido. Por um lado sentia que tudo "aquilo" só podia (ou devia) ser valorizado pelos momentos bem passados é certo mas... fugazes e/ou efémeros e que não teriam impacto ou consequência na sua vida futura. Por outro, e tento em conta exclusivamente aqueles momentos únicos que tinha vivido naquele comboio, sentia uma alegria enorme que lhe aliviava a alma e parecia torná-lo mais leve fisicamente. 

Quando deu conta de si já tinha passado, há muito tempo, pela paragem de autocarro onde deveria ter saído... olhou em volta sem ver nada, sem conseguir sequer lembrar-se do rosto de Emeralda, atento apenas aos acordes de uma música lenta e celestial que parecia envolver todo o espaço e saída unicamente do interior do seu coração... 

(continua...) 

2 comentários:

  1. Este Zeferino foi muito lento...Jogar ao ataque não foi o seu forte...Esta tendência para a defesa tem a ver com as suas (más)inclinações clubísticas, e deixou a pobre da Esmeralda de rastos. Prometeu,prometeu, mas depois lá pôs o autocarro à frente da baliza!!!
    e agora cá ficamos à espera de saber se houve mail algum reencontro a sério ou se a paixão platónica prevaleceu.
    Um abraço e as habituais saudações desportivas:POOOOOOOOOOOOOOOOOOOORTO e LKEVERKUUUUUUUUUUSEN.

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    1. Não é preciso pedir os serviços da astróloga Maya para saber a proveniência deste comentário :-)
      De anónimo não tem nada pois o seu anti-benfiquismo primário denuncia o seu autor. Não é assim Jorge M.?
      Um abraço,

      E, saudações sim mas... BENFIQUISTAS!!!

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