- “Bon, voie
la... maintenant nous devons
aller… Entra,
entra e senta-te aí no banco de trás com a menina Branchard, que é a filha do
meu patrão” -
disse-lhe Ricard, com um tom de voz autoritário
Zeferino entrou, saudou a jovem
loura e sentou-se nos estofos de pele que ainda cheiravam a novo. Ficou o mais
longe e afastado possível com receio que a jovem desse conta do seu cheiro a
suor.
Ricard, depois de colocar o seu
boné de motorista, arrancou suavemente fazendo o sinal de pisca para a sua
esquerda e deu entrada numa enorme avenida em direcção ao edifício do Palácio
da Justiça de Poitiers.
A jovem apercebendo-se provavelmente do
pouco à vontade de Zeferino, virou-se para ele com um ar sorridente e, num tom
sereno e cativante, disse-lhe num francês académico e perfeito que lhe soou a música melódica:
- Vem, chega-te mais para cá,
podes vir para ao pé de mim que eu não te mordo!
- Hummm, é precisamente por
isso que não me aproximo mais - retorquiu ele, retribuindo o
sorriso, nas encolhendo os ombros e mantendo-se à mesma distância.
E riram-se um para o outro mais
pelo tom brejeiro da voz do que pelo conteúdo.
Zeferino porque, de facto, não
se sentia suficientemente limpo naquele ambiente, que para ele era um luxo, deixou-se ficar no seu canto procurando relaxar.
Sem se dar conta, e nem saber
muito bem porquê, naquele preciso momento, os seus pensamentos afastaram-se
daquele espaço e daquele tempo e embrenharam-se noutros. Naquele comboio que se
dirigia a grande velocidade para Paris levando-o a si e a Emeralda. A sua
expressão tornou-se mais leve, suave e descontraída, deixando subentender que o
mundo onde o seu cérebro estava, para além de distante, era muito agradável e
brilhante. Era como
se estivesse num espaço e num tempo onde o afastamento fosse completamente
anulado. Onde ambos estavam tão próximos que só a pele os mantinha afastados.
Onde o toque da boca dela o tinha maravilhado e deixado completamente
arrebatado. Num tempo que parecia ao mesmo tempo tão eterno e tão fugaz.
Num espaço tão distante e tão afastado de si que parecia tender para o
infinito. Mas mentalmente tudo tão próximo, tão forte e tão intenso.
Bruscamente
regressou à realidade com o som aprazível da voz dela:
- Je
suis Lille!
- Ããhh!? Êtes-vous Lille ou avez-vous vivre à
Lille? Retorquiu ele um pouco atrapalhado.
- Non, non... mon nom est
Lille - sorriu ela.
- Que curiosa coincidência! A
minha mãe chama-se Laura e nasceu em... Lille!
- Oh..la...la, então a tua mãe
é francesa. E vive cá?
- Não. Nasceu em Lille e viveu
em Paris até aos 12 anos. Depois fugiu para Portugal com os meus avós quando os
Alemães invadiram a França, durante a II Guerra Mundial. Por lá ficou,
aprendeu a falar bem português, casou com o meu pai e… depois nasci eu. Por
tudo isso, costumo dizer que devo a minha vida a um dos maiores loucos e
assassinos da história mundial: Adolfo Hitler!
- Eheheheh. Tens piada e eu
simpatizo com pessoas assim como tu engraçadas e também com portugueses.
E pronto, foi assim que começou
a conversa entre eles.
Ela era loira, tão loira e tão
bem vestida quanto uma actriz de cinema consegue ser. Para além disso era
bastante bonita e energética. Parecia muito inteligente também. Não
demorou muito tempo a perceber que Zeferino andava à boleia não só porque teria
pouco dinheiro mas também pela aventura e pela descoberta de si e do mundo que
o rodeava.
Ele, confrontado com estas
reflexões da parte dela não lhe custou admitir que sim. Que, não tendo muito
dinheiro, podia fazer perfeitamente a viagem de regresso a Portugal
de comboio, ou de camioneta, mas que preferiu fazê-lo deste modo para, no fundo, conhecer os seus próprios limites.
Disse-lhe também que ia apanhar
boleia para Bordéus com Ricard às seis da manhã
e, por isso, tinha de arranjar urgentemente onde dormir.
- Espera aí que eu trato disso
se tu aceitares a minha proposta - disse ela. E, virando-se
para Ricard: -deixa-nos
em frente ao CIO, Centre de Information et d´Orientation e amanhã apanhas o
Zeferino aqui na esquina da Rue Léopold-Thézard.
Depois de saírem do automóvel e de terem (re)confirmado a hora e o local com Ricard,
sentaram-se na esplanada de um café e, enquanto bebiam uma cerveja, ela
aproveitou para o convidar para uma festa que ia dar em casa dela nessa mesma
noite e que provavelmente só terminaria já de madrugada. Assim, poderia
sair da festa e ir directamente para a esquina da Rue Léopold-Thézard onde
apanharia a boleia sem precisar de alugar um quarto.
Quando acabou de beber a sua
cerveja, de forma descontraída e confiante, ela disse-lhe: - Bom, agora tenho de ir. Fiquei de
me encontrar ali para os lados do Palácio da
Justiça com uns amigos antes de ir para a festa.
Levantou-se
da cadeira depois de ter escrito num papelinho a morada de sua casa e saiu,
dizendo até já.
(continua...)
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