Acendeu o último cigarro que
tinha tirado uns segundos antes do maço SG Filtro.
Como acontecia ultimamente e
desde há várias noites, a insónia vencia-o e assim como as cinzas sinistras do
cigarro se esboroavam, também as suas ideias se lhe esbatiam, impossibilitado
de as encadear e de engendrar um raciocínio consequente.
Ali do seu quarto situado no 9º
andar do prédio nº 9 da Rua Ferreira Borges, os olhos passando por cima do
telhado do Hotel Astória divagavam pela mata Nacional do Choupal, corriam sem
se deter pelo estádio Universitário de Coimbra, pela Ponte de Santa Clara, e
imaginavam a aldeia de Bencanta.
Era ali que dormia a sua amada,
lá para os lados da Escola de Regentes Agrícolas que nesse mesmo ano e rapidamente
se transformara na Escola Superior Agrária de Coimbra, do Instituto Politécnico
de Coimbra.
Nunca se tinham falado, mas
apaixonara-se por ela desde o primeiro dia em que a viu num baile em S.
Martinho do Bispo onde tinha ido com uns colegas de curso há umas semanas
atrás.
Nuvens baixas e silenciosas
vindas do Mondego e do Choupal começavam a cobrir lentamente, as casas da Rua
Sofia e da Avenida Emídio Navarro deixando aqui e ali a descoberto os fantásticos
picos das suas chaminés.
Mal adivinhava o seu pai, lá
longe em Vila Flor, que, com sacrifícios imensos o mandara estudar em Coimbra,
alugando-lhe um quarto num dos locais mais emblemáticos da cidade, que o seu
filho, em vez de estudar, passava as noites a esfumaçar à janela e de coração
apaixonadamente obstinado na sua musa do Mondego.
Mal começou a romper a aurora,
passou a cara por água, tentando disfarçar as olheiras profundas, penteou-se,
vestiu-se, meteu dois livros debaixo do braço e saiu de casa.
Em vez de se dirigir à Escola Superior Agrária para ir às aulas, atravessou a pé a ponte de Santa Clara, acelerou o passo e dirigiu-se até à Av. João das Regras e, já próximo do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, parou numa esquina. Como de outras vezes, era ali que esperava que ela passasse para ir às aulas do Liceu onde frequentava o 7º ano.
Em vez de se dirigir à Escola Superior Agrária para ir às aulas, atravessou a pé a ponte de Santa Clara, acelerou o passo e dirigiu-se até à Av. João das Regras e, já próximo do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, parou numa esquina. Como de outras vezes, era ali que esperava que ela passasse para ir às aulas do Liceu onde frequentava o 7º ano.
Nunca antes lhe tinha falado, mas
desta vez estava resolvido a abordá-la e a declarar-lhe o seu amor.
Pouco depois, viu-a descer a
rampa que vinha da Avenida Inês de Castro em direcção à Rua Dona Mor Dias,
acompanhada de outras colegas, numa algazarra juvenil, de gargalhadas e
dichotes.
Mas o seu coração desabou. Num abraço
apertado, um rapaz envolvia a Isabel com o braço em redor dos ombros.
Afinal ela já namorava!
Desistiu de lhe dirigir a
palavra.
Sorumbático, desalentado, com o
coração a sangrar de desgosto, virou costas em direcção à próxima paragem da
Avenida da Guarda Inglesa para aí apanhar o próximo autocarro para a Escola Agrícola.
Duas décadas mais tarde, e a
trabalhar numa das várias escolas em que exerceu a sua actividade docente, viu
a Isabel entrar-lhe numas das salas pedindo-lhe para que analisasse um relatório
psicopedagógico de um dos seus pacientes de psicologia.
Ela era psicóloga e trabalhava
numa Instituição para onde ele enviara um dos seus alunos com necessidades
educativas especiais.
Reconheceu-a, falaram de Coimbra,
de Bencanta e do baile onde se viram pela primeira vez. Ela disse-lhe que tinha simpatizado com
ele desde o primeiro instante e que nunca mais se tinha esquecido dos seus olhos verdes que tanto a olharam nessa noite.
Ele respondeu que (pelos vistos) a empatia tinha
sido recíproca, que andara uns meses para lhe falar e que no dia em que estava
disposto a fazê-lo a encontrou na sua deslocação para o Liceu abraçada a um
tipo.
Ela sorrindo de forma enigmática
disse-lhe que aquele rapaz que a abraçava, naquele tenebroso dia, era o seu irmão
que a tinha ido visitar. Disse-lhe ainda que o tinha visto ao longe e
que lhe quis fazer ciúmes com a finalidade de estimular a seu avanço…
E foste tu para psicologia! Pensou ele.
A psicologia não habilita para a predição daquilo que os outros pensam. É necessário que as pessoas falem de si, dialoguem e exponham os seus sentimentos para, então sim, se poder intervir. Quanto mais assim à distância… por muito que os lindos olhos verdes digam e “falem”!
ResponderEliminarI.B.
Ai,ai......tiveste mesmo um azar dos diabos!Quem,como tu ,gosta do slb,tem azar em tudo...
ResponderEliminarDeixa lá...Amigo...
Um abraço,
JM
Quem sabe se foi azar???
EliminarLá diz o velho ditado que "há males que vêm por bem".
Ou então o outro (este aplicado mais ao SLB): "não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe".
Um abraço