Jean
Paul continuou a dissertar sobre si e sobre o seu percurso de vida, num longo
monólogo que Zeferino ouvia com alguma impaciência ao mesmo tempo que o tempo
demorava a passar: "A
minha aldeia ficava lá longe e distante dos grandes centros urbanos".
Aqui Zeferino pensou: dizes isso porque não conheces a minha lá em
Trás-os-Montes!
Mas
ele não se calava. "Como deves calcular,
devido ao isolamento da aldeia acabei por frequentar apenas a escola primária,
pelo que só mais tarde, já adulto, frequentei uma outra escola, onde obtive
formação profissional e um diploma académico correspondente ao ensino médio.
Tive como directora desse curso a professora Simone que era uma belíssima
senhora mas cujo marido se tinha reformado antecipadamente das suas funções
maritais. Engraçou comigo e apoiou-me naquilo que pode. Posso mesmo dizer, sem
qualquer dúvida, que foi a principal responsável por toda a minha
formação profissional, sexual e académica. Muito devo a essa senhora que
já lá está na companhia dos anjos!”.
Zeferino
tentava desligar-se da conversa do motorista. Sentia-se farto, cansado...
queria simplesmente encostar-se melhor, fechar os olhos e adormecer. Adormecer
para os pensamentos sombrios, para os problemas, para as dores... Adormecer
para o que existe de feio no mundo. Permanecer por um tempo alheio a tudo o que
existe para se refazer e ao acordar poder ver todas as coisas com olhos novos,
com a autenticidade do adolescente que ainda era e que se arrebatava e se
divertia, ou aborrecia, facilmente com cada descoberta que ia fazendo.
Mas
Jean Paul não estava para aí virado e continuava no seu discurso. (…) “Fui criado juntamente com
6 irmãos, dois gémeos mais novos dois anos do que eu e três irmãs mais velhas,
um cavalo, uma égua, uma vaca, algumas cabras e muitas galinhas... todos
vivíamos mais ou menos harmoniosamente em três divisões na exígua casa onde
nasci”… “Naquele tempo as dificuldades eram de toda a ordem, da alimentação ao
agasalho, da educação ao lazer, tudo era conquistado com muito esforço quer dos
mais velhos, quer dos jovens e das crianças”… “Porém a vida decorria
placidamente e se o inverno era rigoroso, o calor de verão era impiedoso”… “Até
aos 20 anos decorreram banalidades várias na minha vida, até que fiz o tal
curso profissional com a minha mestre Simone. No final, e porque o marido já
andava desconfiado, ela arranjou-me este emprego aqui na quinta do seu primo
afastado M. Roland e despachou-me a grande velocidade”…
A viagem decorria assim monocórdica, lenta e
aborrecida. Para não pagar a portagem da autoestrada (A10) Jean Paul conduziu sempre
o seu camião por uma estrada secundária que se encontrava em relativo mau
estado de piso e sempre paralela ao Rio Loire. Zeferino ia apreciando a paisagem e as
diversas localidades de reduzidas dimensões mas que lhe prendiam a atenção pela
arquietectura das casas muito diferente do que estava habituado a ver em
Portugal. Até que em
Saint-Denis-sur-Loire, já muito perto da pequena cidade de Blois, Jean Paul
resolveu parar. “Vou ali e já venho. Fica
aqui e toma conta do camião.” Disse-lhe no seu sotaque açoriano francês.
Regressou passados aí uns dez minutos acompanhado por uma rapariga loura e com
uma saia curtíssima que permitia a visão de umas pernas longas e bem torneadas.
Retomaram a viagem com a miúda sentada entre os dois mas muito encostada a Jean
Paul. Zeferino não pode deixar de ver pelo reflexo do para-brisas como a mão
dela o acariciava entre as pernas. “Isto
promete”, pensou ele. E, de facto, na cidade de Blois Jean Paul parou,
virou-se para Zeferino e, ao mesmo tempo que lhe piscava o olho direito,
lhe disse: “ficas aqui um pouquinho que
eu vou levar a minha amiga Yolande ao paraíso
e já volto”. Pois que remédio, pensou Zeferino.
Depois
de uma longa espera Jean Paul lá regressou sozinho e bem-disposto. Retomaram a
viagem e ao chegarem ao destino (Tours) Jean Paul propôs a Zeferino: “ se me ajudares a descarregar a mercadoria
no cliente de M. Roland eu prometo-te que te dou boleia, pela A10, até à cidade de
Poitiers e ganhas assim mais uns quilómetros da tua longa viagem”.
(continua...)
Sem comentários:
Enviar um comentário