Chamava-se Roland, era um agricultor e produtor ligado à produção de aves
(galinhas, frangos, patos e gansos). Tinha 76 anos e era culto, educado e muito, mas mesmo
muito, falador...
-Então és um estudante português que vai à
boleia para Portugal!!?? Começou ele logo que Zeferino se sentou no exíguo espaço
que lhe sobrava no banco da frente da Renault 4. Deves ser completamente
maluco, não!? Sabes que é muito perigoso viajar sozinho na tua idade, não
sabes? Nunca sabemos quem nos dá boleia, pá... Por acaso comigo tens sorte, pá,
pois eu sou um bom tipo, um tipo fixe, tás a ver? E ria-se… ria-se muito!
E continuou… posso dar-te boleia até Orléans pois tenho a minha quinta em Jargeau, que fica poucos quilómetros mais a
Sul de Orléans. É aí que eu vivo e trabalho, fazendo criação de aves e cavalos de recreio.
(…) Hoje vim a Paris, mais precisamente ao Ministério da Agricultura, para me inteirar
dos pormenores técnicos necessários para a construção de uma nitreira lá na
Quinta. Sabes o que é uma nitreira? Ah, bem parecia que não sabias... Pois uma
nitreira é... bom... podes dizer que é um armazém onde podemos guardar os
efluentes pecuários (estrumes e chorumes) no período que decorre entre a
realização da limpeza dos pavilhões e a sua posterior aplicação nos solos… Mas
não podemos construir uma "coisa" destas de qual maneira. Tem que
obedecer a determinados requisitos técnicos: tem que ser impermeabilizada,
possuir coberturas, devendo as escorrências geradas nesse armazém ser
recolhidas e armazenadas para encaminhamento adequado, normalmente fossas
sépticas com vala absorvente... tudo isto está regulamentado por lei e é esse
técnico do Ministério da Agricultura que vai supervisionar tudo isso, estás a
ver? (…) Tudo isto fica muito caro pois exige muita mão-de-obra para fazer a
manutenção e inspecção periódica de todas as estruturas ligadas à
recolha/drenagem de águas; para garantir as boas condições físicas do sistema e
para assegurar a limpeza das instalações dos animais, etc,etc.
E assim foi a sua primeira boleia!
Durante os 120
km deste percurso da viagem, toda ela feita pela A10, M. Roland não se calou
por um minuto.
À entrada da cidade de Orléans ele deu duas alternativas
a Zeferino: “ou deixo-te já aqui à saída da cidade e continuas a pedir
boleia ou então vens comigo até Jargeau, vês a Quinta, almoças lá connosco e talvez eu te
arranje uma boleia até à cidade de Tours pois o meu empregado Jean Paul vai lá
esta tarde com um carregamento de ovos e de frangos”.
Zeferino
escolheu a segunda hipótese e lá foi até à Quinta de M. Roland que ficava
situada na margem direita do Rio Loire.
E não se arrependeu pois o local era
lindíssimo! A exploração era constituída por diversas parcelas, perfazendo uma
área total de cerca de 25 ha, dispondo, todas elas, de rega por aspersão. Em cada
parcela praticava-se uma cultura diferente: desde o milho, à ervilhaca, ao
trevo, à batata, ao nabo, à pastagem espontânea e à horta familiar. A Quinta
formava um conjunto harmonioso e com uma paisagem toda ela “pintada” de verde
que contrastava com o azul do céu, com o azul da água do rio e com o branco das
casas e pavilhões que constituíam os quatro aviários da exploração.
Depois de terem visto toda a Quinta, que
circundaram sem saírem do interior da Renault 4, foram ver as instalações, os
aviários e uma enorme cozinha que servia de fábrica onde se produzia o célebre foie
gras com o fígado dos patos e dos gansos.
Zeferino já tinha comido foie gras e sabia que tinha
um sabor suave e levemente amanteigado mas nunca tinha entendido por que razão
era considerada uma das maiores iguarias da culinária francesa. Até
porque o foie gras é o fígado inchado através de alimentação forçada. Ao ver a
forma como esses animais eram super alimentados antes de serem mortos para lhes
extraírem o fígado inchado e aumentado, Zeferino ficou profundamente
horrorizado e agoniado. De facto, é muito cruel a forma de tratamento imposta a
esses animais... eles diariamente são obrigados a comer, depois de já terem
comido várias vezes... Sobretudo uns dias antes da matança e através de um funil
muito comprido é empurrada, pelo pescoço abaixo, uma quantidade enorme de
cereais misturados com gordura. O corpo destes pobres animais fica distorcido e
o fígado fica seis a sete vezes maior do que o normal.
Zeferino questionou M. Roland sobre este método agoniante que lhe respondeu: "quanto maior o fígado mais foie gras e quanto mais foie gras naturalmente mais lucro…"
(continua...)
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