Por fora, Zeferino usava o cabelo comprido, desgrenhado, típico
dos adolescentes dos anos 70. Por dentro, tinha a cabeça cheia de sonhos e uma vontade enorme de se emancipar e crescer o mais rapidamente possível que fez com que quisesse partir assim sozinho e à boleia, apesar
de sentir o pulsar rápido do seu coração de
excitação e de medo. De facto, ele sempre tinha sonhado fazer uma viagem
sem saber o destino certo ou o local onde dormiria no final da jornada. Esse
género de incógnita quanto ao dia seguinte era para ele um fascínio. Viajar com
a mochila às costas, de forma independente, sem gastar muito e fazendo o seu
próprio percurso era para ele um sonho por realizar.
Tendo
em
conta os últimos acontecimentos, as circunstâncias e a conjuntura
pessoal e familiar dessa época entendeu que era aquele o momento
indicado para
cumprir esse devaneio.
Dias antes tinha conversado com alguém que, aconselhando-o, lhe
disse: "Para viajarmos à boleia temos que atender a alguns princípios.
Em primeiro lugar temos de evitar o pôr-do-sol; temos de aparecer cedo na
estrada, caso contrário ficamos apeados e não há outra solução a não ser tentar
novamente no dia seguinte; se repararmos que há raparigas sozinhas atrás de
nós, devemos deixá-las passar à frente; devemos estar preparados mentalmente
para sermos capazes de guardar ou deixar à guarda de um estranho as mochilas
sem que algo de errado aconteça."
No dia anterior à sua partida o seu avô, ainda incrédulo quanto à sua coragem de partir de Paris com os
poucos recursos económicos que tinha, colocou-lhe nas mãos 100 francos, 200
pesetas e 150 escudos. Era muito dinheiro para a altura e resolveu investir parte dele em livros e revistas.
O restante seria para a alimentação dos dias da viagem e, se fosse
absolutamente necessário, para dormir numa local dos mais baratos que
encontrasse. Foi, ainda nesse mesmo dia, comprar numa biblioteca do centro de
Paris alguns livros que eram proibidos em Portugal e considerados "livros vermelhos", onde se incluía um de Mao
Tsé-Tung, o político internacional que mais o fascinava nessa época. Naturalmente, teve o cuidado de os esconder num bolso falso
da sua enorme mochila, na esperança de que na fronteira entre Espanha e Portugal os deixassem passar.
Assim preparado, e depois de definir e riscar no mapa das estradas de França alguns dos itinerários
possíveis, despediu-se de seu avô e partiu rumo ao seu sonho. O destino final, bom, esse teria de ser a casa dos seus pais. Apesar de em Portugal ainda se viverem
tempos de um clima opressivo e cinzento era para aí que tinha de ir. Era a sua
terra, onde estudava e preparava o futuro e onde se encontrava a maior parte da
sua família e dos seus amigos.
E... partiu tendo apenas definido o destino final: Vila Flor, Bragança, Portugal.
Quanto ao resto não tinha planos, apenas o sonho de ser feliz...
(continua...)
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