segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Conto: Neto de um emigrante em Paris! (X)

O avô de Zeferino era como todos os seres humanos. Tinha defeitos e virtudes. Mas lutou pela vida e por tudo aquilo em que que acreditava com coragem e determinação. Tinha sempre um objectivo a ser alcançado e, por muito cansado que se sentisse e muitos obstáculos lhe aparecessem no caminho, nunca desistia de o atingir. 
E... adorava a liberdade! Foi sem dúvida o grande herói de Zeferino e o modelo que procurou seguir ao longo da vida.

Nesse dia 9 de Abril de 1971, e já depois de saírem do cemitério de Thiais, ele virou-se para o neto e disse: "agora vamos almoçar a um local muito especial - o restaurante La Coupole - que é também a brasserie parisiense mais famosa no mundo"!   
- E não é muito caro almoçar lá, avô? Perguntou Zeferino. 
- De facto é! Sobretudo para um ex-operário e reformado como eu, mas vais ver que vale a pena lá ir e ... vá lá... um dia não são dias... respondeu o avô, sorrindo com entusiasmo e satisfação por poder proporcionar ao seu neto aquilo que ele considerava ser um privilégio enorme.
Ao saírem da estação do metro de Montparnasse Bienvenue o avô explicou a Zeferino que podiam ter saído na estação de Vavin que fica mais próxima do restaurante mas que optou por esta saída para verem de perto um dos prédios mais belos e altos de Paris: a Torre de Montparnasse. 
E, lá foram subindo a grande avenida de Montparnasse enquanto o avô lhe dizia: "La Coupole é um símbolo da história de Montparnasse, não só pela qualidade das refeições que aí servem mas, sobretudo, pela qualidade artística das pessoas que o frequentam. Durante décadas o restaurante foi o centro da vida artística de Paris. Por aqui passaram, e alguns ainda passam: Picasso, Henry Miller, Hemingway, Buñuel, Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Jane Birkin e muitos outros intelectuais e artistas de teatro e de cinema, franceses e estrangeiros".
Quando entraram no restaurante Zeferino não pode deixar de reparar na belíssima decoração com mosaicos de inspiração cubista, madeiras nobres e pinturas decorativas nas paredes e nas suas enormes colunas. 
Depois de se sentarem numa das mesas disponibilizadas pelo garçon almoçaram muito bem, mesmo tendo optado por um dos menús mais económicos (ainda assim muito caro na perspectiva de Zeferino) mas com uma belíssima "hors d'oeuvre", um prato principal e a respectiva sobremesa. Tudo dentro da típica comida francesa comme il faut! Como o avô fez questão de dizer na brincadeira.
Enquanto degustavam a saborosa refeição ao som de música clássica que proporcionava um ambiente relaxante e tranquilo, Zeferino ouviu falar pela primeira vez na sua vida em Simone de Beauvoir (escritora, filósofa existencialista e feminista francesa) e Jean Paul Sartre (filósofo, escritor e crítico francês).  
Ficou espantado com o nível cultural do seu avô, que tinha apenas a 4ª classe da instrução primária (1º ciclo), mas que discorria fluentemente sobre a vida pública deste famoso casal, talvez inspirado por um dos melhores vinhos da região de Bordéus, um Cabernet Sauvignon tinto e que custou quase tanto como a refeição completa: "eu, às vezes, venho aqui para a esplanada (coberta e exterior ao restaurante) só para os ver passar ou para os ouvir falar, quando, por acaso, se sentam numa das mesas ao lado da minha... para mim eles formam o casal mais famoso e controverso do Século XX. Eles ficaram famosos depois da Segunda Guerra Mundial, em outubro de 1945. Todos, no mundo inteiro, falavam dessa nova loucura, o “existencialismo” (mesmo que raramente entendessem o que isso significava). Sartre ficou famoso, e por algum tempo Simone de Beauvoir tornou-se famosa por causa dele. Mas depois ela adquiriu fama pelos seus próprios méritos, com a publicação do seu livro O Segundo Sexo, em 1949. Eles eram figuras muito polémicas, de esquerda, e com sua literatura desafiaram as convenções sociais. Por isso muitos os odiavam. O Segundo Sexo foi considerado por muitos um livro chocante, o que levou Beauvoir a receber muitas cartas de desdém e de insulto".

Zeferino, deliciado com tudo o que ouvia, tentou absorver ao máximo todas estas informações. Teve a oportunidade de concluir que a vida é feita de ilusões e desilusões, de altos e baixos, de quedas e continuação... bastava bem pensar um pouco em tudo o que seu avô passou, em consequência das duas grandes guerras mundiais, e não só...

(continua...) 

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