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terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Conto: O neto de um emigrante em Paris! (III)

Algumas horas depois, já mesmo ao fim da tarde, numa estação perto da cidade de San Sebastián, viu entrar uma rapariga mais ou menos da sua idade que, sem o observar, se sentou mesmo ao seu lado. Que linda! Pensou ele. Mas manteve-se quietinho no seu lugar não se atrevendo a fazer rigorosamente nada pois, nessa época, ele ainda não sabia muito bem como reagir a uma mulher bonita que estivesse muito perto dele num transporte público.
Fingindo que não reparava nela, começou por lhe olhar para os dedos dos pés nos quais sobressaíam as unhas rigorosamenre cortadas e pintadas de preto(!!!) por entre os intervalos das sandálias de couro, que apertavam às calças de ganga por umas longas tiras de cabedal castanho. Enquanto inspirava o seu perfume, foi levantando o olhar e reparou na qualidade do seu traje desportivo, leve, mas das melhores marcas que havia no mercado internacional da época. Levantou mais a cabeça e os seus olhares cruzaram-se pela primeira vez, por um instante fugaz, para se transformarem num voo errante e fugidio logo a seguir. Os olhos dela pousaram de imediato nas páginas silenciosas dum livro. Os dele continuaram esvoaçantes como se fossem de um pardal perdido e desorientado. Às vezes no chão, outras no tecto, outras ainda na paisagem que corria lá fora, raramente nela.
Que linda! Pensou outra vez. Mas... um pouco desorientada (pareceu-lhe), com um semblante triste, os seus olhos castanhos não brilhavam mas tinha uma pele aveludada e um rosto lindo e aparentemente tranquilo rodeado por longos cabelos negros. Depois do embaraço provocado pelo cruzar de olhares, ela continuou a tentar ocupar o seu tempo de várias formas. Ora tentava ler, ora desenhar, mas afastava os olhos do papel e, parecendo nada ver, logo desistia. Experimentava ouvir música num pequeno rádio e também abandonava essa ideia de seguida. Ou entrava num período de introspecção pensando em algo que provavelmente a deixava triste enquanto olhava a paisagem. Até que o olhou, uma segunda vez! Olhou-o, olhos nos olhos - profunda e fixamente. Depois desviou o seu olhar, suspirou levemente e voltou a encarar a paisagem pela janela...

Foram assim em silêncio algum tempo até à fronteira hispano-francesa de Irun/Hendaye. Aí chegados cumpriram os formalismos legais em vigor. Apresentaram os passaportes, fizeram a vistoria da bagagem e entraram para o comboio francês que os iria transportar até ao destino. Sem falarem mas seguindo-se de perto um ao outro. Ela entrou primeiro. Ele seguiu-a e sentou-se mesmo ao seu lado, depois de ter percebido que essa também seria a vontade dela. "Mas que diferença de instalações! Que luxo de comboio!" Pensou ele, muito admirado com a qualidade do local onde se instalaram.
Ele era um rapaz sensível e capaz de, com muita facilidade, se entregar a um olhar sedutor, mesmo que esse olhar fosse, como era o caso, de uma rapariga desconhecida. Por isso a tinha seguido com o consentimento silencioso mas implícito dela. De um lado, a agitação da multidão de pessoas que circulava nessa enorme estação e, do outro, a calma e o (agora) brilho cativante dos seus olhos que o olhavam discretamente. Considerou isso um privilégio que se predispôs a aproveitar o máximo possível. Pensou para si mesmo: "não tenho nada a perder e tudo terminará no fim da viagem". Enquanto assim pensava ia, simultaneamente, ganhando coragem para agir.

Entretanto, o comboio iniciou a viagem. 

(continua...)

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