sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Conto: Neto de um emigrante em Paris! (VI)

Aos primeiros raios do sol acordaram com os corpos enlaçados e, à medida que surgia no horizonte, iluminava a face daquela menina que ali permanecia deitada ao seu lado,  olhando-o quase sem pestanejar. Havia cumplicidade nesse olhar e apesar de se conhecerem há poucas horas parecia que se conheciam desde sempre!
Zeferino, enquanto assim pensava, viu um bloco de notas, uma caneta e um livro caídos no chão. O livro era o primeiro que Milan Kundera escreveu - A Brincadeira - que ela andava a ler e lhe tinha descrito, em pormenor, ao longo da madrugada e antes de adormecerem. Estava traduzido para espanhol e era um livro de amor, um romance que também criticava o regime comunista Checo. Ele ouvira-a descrever o seu conteúdo com muita atenção e interesse, hipnotizado pela história em si mesma mas também pela forma serena, meiga e apaixonada com que ela o fazia.

No fim do pequeno almoço que entretanto tomaram no bar ao mesmo tempo que viam passar pela janela as primeiras casas da cidade de Paris, Emeralda arrumou lentamente todas as suas coisas. A sua mala de viagem ficou rigorosamente organizada mas de tal forma cheia que a Zeferino deu a entender que ela, provavelmente, iria ficar para sempre em Paris...

E... chegaram ao destino: Gare du Nord-Paris. Emeralda olhou tristemente para o exterior pela porta lateral e ele rapidamente seguiu o seu olhar percebendo de imediato o que ela lhe estava a querer dizer...
Ele levantou-se e saiu num flash. Esperou a saída dela em frente à porta e ajudou-a a sair. Ela caminhava em direcção à saída olhando para o chão com um aspecto tímido e inseguro... lentamente foi levantando o olhar até estarem olhos-nos-olhos... lentamente ele alcançou a sua mão gelada e tremula que acariciou levemente, entrelaçaram os dedos dando as mãos, até que terminou a caminhada mesmo junto à porta de saída da estação.
Pararam um em frente do outro, não conseguiam falar, nem uma palavra lhes saia das gargantas colados de emoção... ela soluçava baixinho. Ele num misto de riso e contracção dos músculos faciais que reflectiam ansiedade mas também alegria e insegurança. E agora?! Pensava para si mesmo.
Aguardou mais alguns segundos mas não sabia bem o que esperar ou do que estava à espera. Mas não parecia querer mover-se um milímetro que fosse. Quando conseguiu lá deu um passo atrás, separando-se dela como quem se vai afastar... sendo esse o único gesto que lhe fez descolar a garganta. 
- Vais-te assim embora?! Já?! Onde vais? - disse ela assustada.
- Não – disse ele esboçando um sorriso – não vou sair daqui sem saber como te encontrar de novo!  

Sem responder ela retirou do bolso e entregou-lhe uma folha já arrancada do seu bloco de notas e que dizia logo na primeira linha: "lê só depois de nos separarmos". Nesse instante, uma senhora elegantemente vestida e perfumada aproximou-se e cumprimentou-a alegremente com um forte abraço e quatro beijinhos. Era a mãe dela que depois de o cumprimentar cordialmente lhe pegou num braço e a encaminhou definitivamente para a saída, enquanto o motorista, devidamente fardado, lhe transportava a mala. Ele viu-as entrar para o banco traseiro de um Citroën DS preto (boca de sapo) de matrícula francesa, mas com uma chapa do corpo diplomático espanhol.

Ficou sozinho e pensativo. A vida é muito estranha e feita de casos e acontecimentos. Alguns planeados, outros apenas sonhados, outros inesperados ou imprevistos.
Assim foi esta viagem. Uma viagem que ele tinha imaginado maçadora e solitária e que acabou por se revelar maravilhosa e partilhada com alguém, até aí completamente desconhecido, que lhe mostrou o lado bom da vida e um Mundo belo e ... mágico

No meio deste turbilhão de pensamentos olhou e viu o autocarro que queria apanhar, ou deveria ter apanhado, a afastar-se rapidamente… 
  (continua...) 


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