quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Conto: Neto de um emigrante em Paris! (V)

Zeferino acordou com desconforto. A temperatura caíra tornando as roupas de Primavera insuficientes para se sentir cómodo e aconchegado. Procurando corrigir a posição desconfortável em que tinha vindo a dormir, decidiu deitar-se ao comprido num dos bancos, depois de se enfiar no saco-cama que retirara da mochila. Arrependeu-se logo de seguida quando reparou que Emeralda continuava sentada no seu lugar e apenas com a roupa leve que trazia. Levantou-se e ofereceu-lhe o saco-cama. Ela prontamente recusou. Deitou-se de novo, cobrindo-se com o agasalho e ensaiou a pergunta seguinte. Fez um esforço para que a voz não se lhe apagasse a meio e sugeriu então que o partilhassem. Ela sorriu surpreendida e - algo indecisa - acabou por aceitar. Apesar do seu corpo franzino, as suas formas acabaram por revelar-se anatomicamente perfeitas para o espaço disponível. O saco-cama, esse, acabou por revelar-se extremamente acolhedor e capaz de aumentar rapidamente a temperatura corporal... 

Já muito perto da cidade de Bordéus um revisor fardado irrompeu pelo compartimento ocupado apenas pelos dois e, depois de os saudar com cordialidade, pediu-lhes os bilhetes e aguardou com ar condescendente. Cada um apresentou-lhe o seu. O revisor olhou para Zeferino e disse-lhe em tom grave: - o seu bilhete é de segunda classe, não pode viajar aqui em 1ª. Sabe disso, não sabe?
Envergonhado e com sentimentos ambivalentes de revolta consigo próprio por ainda não se ter dado conta disso e por outro muito satisfeito por tudo o que tinha ganho devido a esse mesmo engano, retorquiu de forma atabalhoada e muito embaraçado: - Desculpe mas não sabia disso. Sabe ... hãããmm... é a primeira vez que viajo para tão longe e, provavelmente na fronteira, enganei-me. Não foi por maldade ou por querer fazer batota, foi mesmo por engano
- Não, não ... a culpa é minha, disse Emeralda
- Sua!? Ripostou admirado o revisor
- Sim, sim, sabe ... eu entrei numa estação perto de San Sebastián, ainda em Espanha, e tenho um bilhete de 1ª classe mas fiz - por engano - a viagem até Irun/Hendaye numa carruagem de 2ª, onde - por feliz coincidência - tive a oportunidade de conhecer aqui o Zeferino com quem simpatizei muito. Ao fazermos o transbordo na fronteira combinámos fazer companhia um ao outro o resto da viagem. Eu entrei primeiro, ele seguiu-me e de certeza nem reparou que entrámos para uma carruagem de 1ª classe. Disse Emeralda de um só fôlego e num francês perfeito.
- Está bem, está bem, eu compreendo e não lhe aplico a multa prevista para estas situações mas ... terá de regressar ao seu lugar ou então, se quiser continuar em 1ª classe, deverá pagar a diferença daqui até Paris, respondeu o revisor.
Zeferino, depois de pagar uma quantia que lhe pareceu exorbitante viu o revisor sair, não sem antes lhes desejar educadamente uma boa noite e boa viagem.
- Obrigado Emeralda! Foste impecável na forma como me desculpaste perante o revisor - disse Zeferino logo que ficaram a sós.
- Ora essa! Não fiz nada de mais, só disse a verdade. E, além de tudo, gostei da forma tranquila e civilizada como resolveste o problema, respondeu Emeralda
Ele então, sorrindo, perguntou-lhe: - Bom, verdadeiramente, quem resolveu o problema foste tu ... mas ... mas ... quando disseste ao revisor que simpatizaste comigo estavas a ser sincera?
Ela, aconchegando-se mais a ele dentro do saco-cama, respondeu-lhe carinhosamente mas em basco: -Beraz, ez engaina zure oharrak? 

Que é o mesmo que dizer em Português: -Então não se nota seu tonto? 
  (continua...) 

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