Para quem viveu a infância e a
sempre difícil fase da adolescência numa pequena vila do Nordeste trasmontano
ficam marcados na memória alguns factos e acontecimentos que nos
acompanham a vida inteira.
Nesse tempo não se viajava, não
se conheciam outros lugares, outras culturas e outros mundos. Mas foi o tempo em
que apareceu por lá o cinema, a televisão a preto e branco, e o teatro
que se fazia na Casa do Povo, aos fins-de-semana, com os menos envergonhados a
serem ensaiados pelo sacristão, que por sua vez era treinado e ensinado pelo
senhor padre.
E sonhava-se. Sonhava-se ter,
sonhava-se ser. Sonhava-se muito. E sobretudo trabalhava-se mais, muito mais.
Os acontecimentos tinham outro peso,
outra garantia de prazer ou de dor. Mas que trazem pensamentos e recordações que nos
fazem sorrir! Sobretudo quando assim vistos à distância de cinco décadas
e à luz das grandes transformações a nível social, cultural, económico e
tecnológico que entretanto ocorreram.
A vida nessa época acontecia
com muita tranquilidade e qualquer acontecimento que fugisse à rotina provocava
tal reboliço que era transformado num epifenómeno digno de ser visto e
comentado por toda a população.
Um dos fenómenos mais falados e
comentados aí pela segunda metade da década de 50, foi, sem dúvida, a
oportunidade de se ver o cinema pela primeira vez.
Normalmente aos sábados, após o pôr-do-sol, as pessoas iam-se juntando na Praça da República, em Vila Flor, mesmo ao lado esquerdo da Casa Africana
e do lado direito da Ermida do Senhor Santo Cristo da Agonia, e esperavam pacientemente que a máquina de projectar ficasse
devidamente montada e preparada para emitir as imagens no pano branco (que
servia de tela), previamente colocado de encontro ao muro da casa do Assis.
Era o chamado cinema itinerante que levava a população à rua e provocava normalmente um debate após a projecção. As pessoas simples, de forma aberta, transparente e emotiva, partilhavam os seus sentimentos que haviam sido despoletados pelas imagens a preto e branco que acabavam de ver no filme.
Era o chamado cinema itinerante que levava a população à rua e provocava normalmente um debate após a projecção. As pessoas simples, de forma aberta, transparente e emotiva, partilhavam os seus sentimentos que haviam sido despoletados pelas imagens a preto e branco que acabavam de ver no filme.
Foi aí, por esses tempos e em
circunstâncias semelhantes, na Casa do Povo de Vila Flor, que muitos de nós
vimos, com espanto e admiração, alguns filmes do célebre actor mexicano Cantinflas, do cantor e
actor espanhol Joselito e
da famosa actriz espanhola (e bonita) Marisol.
Como disse atrás, nesse tempo
não se viajava muito e as "coisas" tinham de vir até nós aplicando-se
o ditado antigo "se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a
Maomé." Este tipo de cinema itinerante foi uma forma eficaz e solidária de
também se levar educação e cultura até às zonas mais interiores do país. Com as
discussões que se promoviam após a exibição dos filmes foi possível (para além do
despertar para esse mundo fascinante do cinema), a muitos de nós, o
desenvolvimento de capacidades e competências, nomeadamente a atenção, a
memória, o raciocínio, o saber ouvir, o saber falar na sua vez e o saber
argumentar, entre outras.
Diferentes tempos! Em que havia
menos conhecimento, menos riqueza material, menos conforto e menos tecnologia
mas em que havia mais descoberta, mais solidariedade, mais partilha e mais
convívio social.
Bem, sempre era mais do que nos anos 80. Durante a minha infância não havia cinema em Vila Flor, tinha mesmo que ser o Maome a ir à montanha...
ResponderEliminarS
Pois!... O progresso por vezes acontece com avanços e recuos :-)
ResponderEliminarNo seu tempo deu-se provavelmente um passo atrás para se poder avançar de forma segura e sustentada ... tanto assim que hoje em dia há em Vila Flor um auditório com sala de cinema.
É pena que agora não vivam lá tantas pessoas como no seu e, sobretudo, no meu tempo...