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quinta-feira, 20 de março de 2014

Excerto do diário de estudante (VI)

Ao acabar de ler o longo texto fiquei muito mais tranquilo mas verifiquei, com espanto, que alguns dos meus colegas tinham os olhos cheios de lágrimas. As colegas das primeiras carteiras olhavam-me com admiração e com um olhar meigo e terno… pelo menos eu senti-o dessa forma.
Nessa altura compreendi também uma coisa muito importante: gosto de escrever e posso fazê-lo. Felizmente é um gosto que não exige senão tempo, uma caneta ou um lápis e papel. Ora, felizmente, eu tinha tudo isso. Portanto tinha a sorte de gostar do que gostava e daquilo que tinha! Senti-me feliz e por isso pensei: que me importa aquilo que o Padre Cassiano pensa? Até lhe estou agradecido por me ter dado a oportunidade de me dar conta de tudo isso.

Agora, e assim à distância de 45 anos, até o desculpo e reconheço que nessa época os professores ainda não tinham a preocupação e o interesse pela melhoria da auto-estima e do auto-conceito como forma de estimular o sucesso escolar dos seus alunos. De facto, o estudo da auto-estima em contexto escolar, sobretudo na sua interligação com o aproveitamento dos alunos com capacidades cognitivas só assume particular importância muitos anos mais tarde.
O professor, embora Padre de profissão e (talvez) vocação, não podia ter - nessa época - conhecimentos de psicologia do desenvolvimento e educação de crianças e jovens adolescentes para saber que a estabilidade emocional e o auto-conceito dos alunos contribuem decisivamente para a melhoria da sua qualidade de vida. De facto, são os alunos que recebem estímulos afectivos positivos a esse nível, em casa e nas salas de aula, que apresentam níveis de rendimento escolar mais elevados, quando comparados com alunos que não recebem qualquer estímulo ou com aqueles que, por qualquer motivo, recebem estímulos contrários e que lhes baixam a auto-estima como aconteceu comigo nesta situação concreta e mesmo noutras que agora não vêm ao caso.

Nesse dia, e nessa aula de Português, o melhor estímulo afectivo positivo que obtive foi captado de mim para mim, cá do fundo do meu interior, ao dar-me conta de que também era capaz de fazer algo positivo e competente. E... incrivelmente também vindo do exterior, mas não do professor como seria suposto e desejável mas sim das lágrimas que vi em algumas das minhas colegas e, sobretudo, do meu colega e amigo Tino Navarro, quando da sua carteira lá do fundo sala se levantou e disse alto e bom som: Senhor Padre Cassiano eu também ouvi o “marancha” contar esta história aos meus irmãos mais velhos!!!

Nota final: Este texto, tão polémico na altura, foi escrito por mim na sala de estudo do Externato de Santa Luzia, em Vila Flor. Essa sala de estudo era controlada e vigiada pela nossa professora de Moral a quem chamávamos a "Casqueiro", por ter um trato muito austero e rigoroso. Escrevi-o enquanto ela se colocava estrategicamente mesmo a meu lado por forma a impedir, com o seu corpo enorme, o meu olhar na direcção da minha primeira namorada que tinha 13 anos e, por incrível que possa parecer, se chamava: Helena.
      

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