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terça-feira, 11 de março de 2014

Excerto do diário de estudante (III)

No ninho, formado por um pequeno desaterro escavado até à altura de um homem de estatura média, tinham sido colocados sacos de pedras e de areia. Havia três caixas de munições empilhadas a um canto, duas peças pesadas caídas assim como algumas ligaduras espalhadas pelo chão. Num dos lados estava um corpo de um soldado inimigo ainda agarrado a um dos morteiros, que tinha sido atingido quase em cheio. Os sacos desse lado do ninho estavam deslocados e rebentados com o conteúdo espalhado à sua volta.

Ainda no decorrer da operação do dia anterior não pude deixar de reparar também como, no chão mole devido à chuva miudinha que caíra na noite anterior, umas pegadas de botas levavam a direcção do bosque na encosta que agora ficava por trás das nossas linhas. Segui as marcas no solo e, ainda antes de entrar no arvoredo, umas manchas de sangue num arbusto certificaram-me de que estava por ali alguém ferido. Talvez devido a estilhaços aquando da queda do morteiro que atingira o seu camarada. Digo eu, não sei. Ou talvez ainda antes, atingido por uma bala e na iminência da sorte do combate lhe ser desfavorável, tivessem feito com que ele se retirasse na esperança de atingir um local onde se sentisse mais seguro.
Fui avançando devagarinho, com extremo cuidado e todas as cautelas, a adrenalina a ferver nas veias, abrigando-me em cada árvore e em cada arbusto. Foi quando inesperadamente o vi… Quase de caras!
Senti o sangue gelar!
Imóvel e encostado a um tronco, a sangrar, debilitado, estava como que esperando por mim. Nem dera quase por ele, poderia perfeitamente ter-me abatido, mas não...
Por detrás duma expressão assustada, de olhos escuros e a parte branca enorme e a brilhar, estava o que era ainda um jovem. Deve ter uns 16 ou 17 anos! - pensei. Apresentava um ar de cansaço e segurava a arma apontada na minha direcção com as duas mãos junto à cintura e a coronha apoiada na árvore onde se encostara. 
Ordenou-me num português bantu para largar a minha. 
Respondi-lhe que estava detido, que as nossas forças tinham tomado as suas posições e que agora era meu prisioneiro.
Umas lágrimas espreitaram-lhe aos olhos ao mesmo tempo que denunciava na respiração ofegante o tremor que lhe tomava o corpo. Eu estava numa ansiedade enorme e em grande tensão mas consegui dizer-lhe para ter calma e que não lhe íamos fazer mal. Que iria ser respeitado, alimentado e protegido como prisioneiro de guerra. Por um momento senti um alívio da tensão quando ele baixou a metralhadora e o olhar num gesto que me pareceu de rendição.

Avancei e foi então quando se deu o desfecho inesperado.

Dando-se conta de que me aproximava, levantou novamente a cabeça e voltou a apontar a arma, abrindo muito os olhos enquanto subia os braços para uma posição de ponto de mira e de dedo no gatilho. A boca a abrir-se como que a preparar-se para gritar muito alto…
(Continua...)

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