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sexta-feira, 7 de março de 2014

Excerto do diário de estudante (II)

Cheio de vergonha, e com algum embargo na voz pelo nervosismo, passei então a ler o pequeno conto que escrevi baseado em grande parte nos acontecimentos contados, como sendo verídicos, pelo soldado António Branco ("marancha") e pelos seus camaradas de pelotão que vieram assistir ao funeral de um deles morto em combate na guerra colonial: 
O meu diário
Neste preciso instante em que escrevo estas palavras, que me servem de desabafo reconfortante, corro o sério risco de sofrer um castigo militar ou, no limite, de ser abatido por um “turra” inimigo. De facto, devia era estar mais concentrado na minha missão. Escrever é uma actividade que me apaixona mas que distrai, para o bem e para o mal, os meus sentidos. Ao escrever vou desabafando para diminuir o medo e os níveis de ansiedade mas... aumento os riscos de não cumprir com rigor o desempenho da minha missão.
São cinco e um quarto da manhã e há uma hora e quinze minutos que entrei no meu turno de vigilância aos sentinelas. Infelizmente já encontrei um soldado no seu posto a dormir de pé encostado à parede de terra e abraçado à sua G3! Vou ter de elaborar o auto desta ocorrência pois com a guerra não se brinca nem se pode facilitar.
Eu é que ainda não consegui conciliar um só minuto de sono durante toda a noite, mesmo antes de entrar de serviço.
À minha frente apenas vejo uns olhos castanhos que me perseguem por todo o lado. São iguais aos de Helena, a minha querida mulher que se encontra lá longe no continente e em Vila Flor, e com quem me casei quinze dias antes de ser enviado para a frente e entrar em combate.

Enquanto penso nela faço uma pequena pausa para perscrutar as trevas que uma lua em quarto crescente por trás dum céu esfarrapado de nuvens negras mal consegue iluminar. De repente pareceu-me ter ouvido um estampido mas afinal era apenas um pássaro preto (talvez um mocho) que, após ter capturado uma presa, passou a rasar o meu capacete rumo à mata situada no morro à minha retaguarda.

Ontem, ainda no refeitório enquanto tomávamos o pequeno-almoço, recebemos ordens para avançar em direcção às trincheiras que agora ocupamos. Durante o avanço tínhamos que tomar um ninho de metralhadoras que estava instalado no cume duma pequena elevação do terreno a partir de onde se dominava todo o vale. Uma cobertura de fogo de morteiro abriu alas e permitiu o nosso avanço mais ou menos seguro. Conseguimos esta nova posição sem qualquer baixa nem feridos da nossa parte.
Após a relativamente rápida tomada deste ponto de abrigo, passámos a fustigar as trincheiras inimigas que não tiveram outro remédio senão bater em retirada, o que nos facilitou o assalto final às suas posições anteriores.
O meu pelotão ficou com a incumbência de limpar o terreno, capturando armamento, anulando elementos inimigos, detendo-os com ordens de serem abatidos em caso de resistência...

(Continua...)

3 comentários:

  1. Como sofreste na guerra do "ULTRAMAR"!!!!!
    mafREIRE

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    1. Nem lá pus os pés...."canhoto"!

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    2. Só estive lá em pensamento e... sofrendo com (e por) aqueles que lá estiveram!

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