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quarta-feira, 5 de março de 2014

Chove. Mais uma tarde de chuva. Já é demais! – digo eu.

Olha a novidade! Então não estamos no Inverno (?) e em tempo de chuva!!??- responde, de pronto, a Amélia no seu feitio rezingão.

Para serenar leio. Estou a ler o romance “Ernestina”, de J. Rentes de Carvalho, que a minha filha me ofereceu pelo meu aniversário. Nesta espécie de autobiografia o escritor viaja por terras de Trás-os-Montes, descrevendo paisagens, lugares, localidades e, sobretudo, o carácter das gentes transmontanas. Faz assim um retrato escrito num estilo directo e por vezes irónico de lugares e de um povo que tanto me diz.
Faço um intervalo. Provavelmente inspirado por esta leitura e, imbuído por esse espírito saudosista que por vezes me trai, fui rebuscar nas minhas memórias longínquas, dias também chuvosos e frios de outrora. Recordo esses dias e dias seguidos de chuva intensa que via cair encostado à porta de entrada do “soto”, como o meu pai chamava à pequena mercearia de aldeia que abriu num dos compartimentos da casa onde todos vivíamos. Essa porta dava para a rua principal da aldeia que fazia a ligação do Largo da Lameira até ao Largo do Eitão, os pontos nevrálgicos da aldeia. O primeiro porque ficava mesmo ao lado da Igreja (e da nossa casa), o segundo porque era aí que as pessoas socializavam, quer nas tabernas, quer ao lado e em frente da casa da escola.
Chamavam-lhe a rua Larga mas, naquele ponto em frente da nossa casa, tornava-se bastante estreita e muito inclinada pelo que nestes dias de chuva intensa mais parecia um pequeno ribeiro por onde eu via passar com admiração, espanto e algum temor, arrastados pela força da corrente, paus, lama, pedras a rolar, folhas e enormes quantidades de dejectos que os animais depositavam pelos caminhos e que normalmente eram apanhados à mão para servirem de fertilizante natural.
Ao fim de muitos dias de chuva sem parar vinham invariavelmente os prejuízos. Os charcos e ribeiros que extravasavam, os valados que ruíam, as bolsas de água acumuladas no subsolo que rebentavam e arrastavam tudo por onde passasse a violenta enxurrada, árvores que caíam, calhaus enormes que se desprendiam e rolavam encosta abaixo… Era tempo de esvaziar os palheiros para alimentar os animais e de consumir os proveitos acumulados no verão.
Mas de cheias não ouvíamos falar... Lá na minha terra onde vivi até aos sete anos de idade, situada nos confins do mundo, no lugar de Pinhal do Douro, Freguesia de Vilarinho da Castanheira, Concelho de Carrazeda de Ansiães, não havia disso e as notícias não se difundiam na hora como actualmente. Mesmo assim, havia um cuidado extremo com a limpeza dos cursos de água, nalguns casos por receio da força da lei imposta pelos então existentes (e sempre presentes) Guarda-Rios, e noutros em geral porque havia o sentimento de zelo que impelia as pessoas a se prevenirem e a demonstrarem um respeito absoluto pelas forças da natureza. Era inconcebível ousar obstruir os cursos naturais da água ou opor-se ao estabelecimento de pequenas valas por onde se desviavam as águas pluviais para não danificarem os caminhos, únicas vias de comunicação que existiam na época e de vital importância para as populações.

Contudo, os tempos mudaram e, como disse o poeta, as vontades também. A memória é curta e cometem-se atropelos ambientais de bradar aos céus. São esses atropelos que provocam muitos dos malefícios que ultimamente se têm feito sentir como consequência das fortes chuvadas.
Estranho é apenas o facto de em tão pouco tempo, mesmo tendo em conta a intensidade da chuva, do vento e das marés altíssimas, ocorrerem enchentes com tanta frequência nas margens dos rios e tantos estragos na orla marítima como as que se verificaram ultimamente.

E pronto… mais uma tarde de segunda-feira, deste início de Março, assim passada entre estas quatro paredes e com esta vontade, que por vezes me assalta, de baixar a persiana, apagar a luz e mergulhar no “baú” das minhas recordações: retornar à infância cada vez mais longínqua, rever a luz do dia como uma esperança que renasce, olhar o horizonte e sentir vontade de o ultrapassar para ver que vidas existiam do outro lado, percorrer caminhos que já se apagaram, relembrar amigos nunca mais encontrados, familiares já desaparecidos, paisagens alteradas… tanta coisa que parece nada mas que era toda uma vida cheia de ilusão, de fé e de confiança…

4 comentários:

  1. Qual de mais qual carapuça. Já te esqueceste das "origens" geográficas e da formação inicial? DEMAIS !!!! SEU "MILHAFRE A QUEM CHAMAM ÁGUIA" Demais é a tua insistência (empírica) no raio das “FRUTAS”.
    Mas mesmo assim: 1 grande abraço.
    MAFreire

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    1. Ora ai está o meu "velho" amigo com o seu espírito frontal e honesto a resmungar quando as coisas não lhe correm (neste caso desportivamente) como ele quer... ehehe Não esqueci, nem nunca esquecerei, as origens tanto assim que neste texto fui mesmo até à minha infância e até à terra que me viu nascer. Prometo que vou deixar a "fruta" e saborear a vitória do meu Benfica... SE (e repito SE) ela vier a acontecer :-) Um grande abraço

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