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terça-feira, 3 de setembro de 2013

Conto: Neto de um emigrante em Paris! (XXXII)

Ao atravessar a porta de entrada da estação de caminhos-de-ferro de Irun, Zeferino, caminhava lentamente, pelo peso da enorme mochila que levava às costas e também porque se encontrava toda encharcada de água que lhe escorria pela coluna abaixo. 
O desconforto, para além de físico, era sobretudo moral e psicológico. 
Sentia, de facto, um enorme desconsolo pela sensação de que a viagem entrava já no seu declínio e que aquela sugestão de aventura e de magia do desconhecido da viagem imaginada toda ela à boleia até Vila Flor se desvanecia à medida que entrava naquele enorme hangar. Por outro lado, sentia-se algo frustrado porque não gostava de ver os seus planos assim alterados por factores externos à sua vontade. Ele gostava de planear. Dava-lhe gozo aquele trabalho de cálculo mental que o levava a julgar e a ponderar as hipóteses... de ver e rever possíveis ou prováveis soluções... fazia parte da sua personalidade “arrumadinha” e “desarrumadinha” ao mesmo tempo. Ele era assim mesmo... um falso desorganizado ou um organizado pontualmente desarrumado. 
Essa chuva persistente tinha estragado toda a sua estratégia todavia proporcionara-lhe aqueles momentos deliciosos... 
Esperanza acompanhava-o e tinha sido a seu conselho que decidira fazer de comboio uma grande parte do resto da viagem.
- É impossível, com estas condições climatéricas, meteres-te na estrada à boleia. Vais de comboio e eu pago-te a viagem até Portugal. Dissera-lhe ela ao entrarem em Irun. 
- Nem penses nisso! Quero fazer a viagem à boleia pela aventura em si e não propriamente por questões de ordem financeira. Respondeu-lhe de imediato Zeferino, que pensou ainda para si mesmo que só o facto de a ter conhecido e de ter vivido tudo aquilo que com ela viveu já justificava plenamente a opção tomada. 
- Sim, sim, então não pago mas... vais na mesma de comboio. Insistiu ela, convencendo-o de vez.
Ao despedir-se de Zeferino, ao mesmo tempo que lhe metia uma caixa de preservativos no bolso (ele tinha-lhe confessado que nunca os havia utilizado anteriormente), deu-lhe um abraço bem forte enquanto lhe sussurrava ao ouvido: - Aqui está uma coisa que eu nunca dou aos meus clientes: um abraço de despedida. Quando algum deles me quer abraçar eu respondo-lhe que os abraços dão-se quando existe amizade, ternura ou amor.
Depois desprendeu-se lentamente, virou-se e partiu...

Zeferino ficou a vê-la afastar-se, a contornar as pessoas que iam e vinham dentro do enorme hall de entrada da estação e, lentamente, a diluir-se no horizonte. Para sempre.

Depois de ter adquirido o bilhete sentou-se num banco corrido de madeira da enorme sala de espera da estação enquanto aguardava pela hora de partida do comboio que o haveria de levar até Barca d´Alva. Puxou então pelo seu bloco de notas, que era uma espécie de diário, e escreveu: 
- Que dia, meu Deus!... ainda estou completamente inebriado... desfrutei hoje, dia 21 de Abril de 1971, de uma das mais extraordinárias e deslumbrantes experiências da minha vida (…) tudo aconteceu de forma inesperada e onde contava encontrar frieza, recebi ternura; (...) imaginei alguma fraqueza, pela minha inexperiência face a uma profissional, e encontrei inspiração e ardor; (...) estava à espera de indiferença e senti um enorme e empolgante entusiasmo partilhado; (...) aquilo que em princípio era para mim apenas uma relação fortuita  ou um desvario, foi, no meu corpo e na minha mente, uma revelação agradável de uma faceta desconhecida da minha natureza… enfim, o que em princípio deveria ter sido apenas um divertimento acidental e imprevisto foi, sem qualquer dúvida, um esplêndido encontro que me irá marcar indelevelmente e do qual nunca me irei esquecer…
(continua...)

    

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