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segunda-feira, 17 de junho de 2013

Conto: Neto de um emigrante em Paris! (XXIII)

Nota prévia: 
Ao retomar este conto apresento também as minhas 
desculpas aos leitores mais assíduos por esta longa interrupção.  

Chegaram a Poitiers era já noite cerrada.
Zeferino ao avistar as primeiras casas da cidade vinha já cansado da viagem. Sentia-se desconfortável e sujo da transpiração que ocorreu pelo esforço que tinha feito em Tours. O empregado de M. Roland prometera-lhe que, se Zeferino o ajudasse a descarregar toda a mercadoria do camião, ele o levaria a Poitiers que é uma cidade situada mais a sudoeste de França. Nessa perspectiva Zeferino tinha aceitado essa proposta sem pensar no esforço que teria de despender para descarregar as “gaiolas" com frangos e patos, as latas e frascos de patê e uma quantidade enorme de caixas com ovos. A acrescentar a tudo isso, vinha também saturado, irritado mesmo, de ouvir durante toda a viagem a “grafonola” Jean Paul e a sua lenga-lenga de difícil entendimento, pelo seu sotaque estranho e, sobretudo, por falar muito depressa naquele calão regional.
Mas... Jean Paul era, no fundo, boa pessoa e conseguiu ao fim e ao cabo amenizar um pouco toda essa indisposição de Zeferino.
Quando já se despediam no final da viagem e, assim de repente, batendo violentamente com a mão direita na testa, virou-se para Zeferino e disse de forma impetuosa e no seu francês característico: "arret toi!" "comme je suis un imbécile! car je ne me souviens pas? voilá… mon ami et collègue Ricard”. “Espera aí um pouco... vou ver se o encontro e ele vai - de certeza - orientar-te aqui nesta cidade pelo menos até amanhã”. Saltou de rompante do camião deixando o atordoado Zeferino, mais uma vez, a aguardar o seu regresso.
Enquanto esperava ia reflectindo. Sentia-se algo receoso mas tentava arranjar coragem para enfrentar todas as dificuldades que lhe aparecessem.
De vez em quando olhava para o relógio detendo o olhar vagamente no saltar regular e constante do indicador dos segundos enquanto os outros ponteiros lhe pareciam permanentemente imóveis e embora tivesse olhado por várias vezes instintivamente para o mostrador não se havia compenetrado muito bem da hora.
Entretanto tentou concentrar-se em todo o meio envolvente para esquecer as suas preocupações interiores.
Deixou-se dominar pela forma como a presença prateada da Lua no céu e pela forma como o arrebatou. Considerou-a, naquele momento, um presente ou um espectáculo que lhe fora oferecido gratuitamente pela natureza. Retribuiu-lhe com um olhar fascinado esse prazer experimentado sem a interferência do "ruído" do seu interior e que o afastava do essencial ou de prestar atenção às coisas que verdadeiramente interessavam  e que, na realidade, entendia naquele preciso momento como um castigo.
Queria fugir das coisas que o impediam de sentir o lado bom da vida. Olhou de novo a Lua e "abraçou-a". Fechou os olhos e "sonhou" que era capaz de voar até à sua terra lá longe no Nordeste Transmontano. Pensou em Helena e questionou-se se, depois desta viagem e dos acontecimentos fascinantes ocorridos nestes dias de afastamento, seria capaz de continuar a amá-la. Por momentos sentiu-se só e isolado nesse local isolado de Poitiers e iluminado pelo luar.
De repente passou a sentir-se melhor. Um sentimento de bem estar e reconforto invadiu-o. Sentiu que pertencia a um universo harmonioso que o abraçava de volta quando lhe prestava homenagem com a sua atenção, com esse sinal da gratidão bem merecida por usufruir do dom que é a vida.
Prometeu nesse instante a si mesmo que no futuro, e ao longo da vida, em  cada novo dia que despontasse no horizonte e se despedisse da noite que iria voltar-se sempre para a Lua para a poder outra vez abraçar e agradecer a sua oferta generosa, o luar. O luar que naquele instante despertou uma força poderosa que nem sabia existir dentro dele e uma vontade de viver que só por si justificava que se tivesse alterado a sua má disposição inicial e o desconforto da viagem. Fez mais uma promessa: "ao Santuário de Fátima nunca irei em peregrinação mesmo que o meu GLORIOSO clube perca sempre mas não irei desperdiçar nunca a oportunidade de olhar a Lua".

Quando Zeferino já estava assim mais calmo e preparado para o que desse e viesse viu, de repente, sair de dentro de um novinho Citroen Boca de Sapo (DS 20), de cor preta, que brilhava ao reflectir a luz do luar e a luz dos candeeiros do passeio ali mesmo ao lado, Jean Paul e o seu colega e amigo Ricard. No interior do carro ficou uma jovem loira que lhe sorria.
Depois das apresentações e de ter retribuído ao “muito prazer em conhecer-te” e ao “com que então tu é que és o português que anda à boleia!”, Ricard deu-lhe a boa notícia: “tás com sorte, pá… se quiseres levo-te amanhã de manhã até Bordéus. Sou motorista e levo lá o meu patrão, que é um enólogo famoso e tem que estar lá bem cedo. Saímos às seis da manhã. Portanto só tens que arranjar onde dormir esta noite… 
(continua...)

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