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quarta-feira, 8 de agosto de 2012

A Praça II

- Eh, pa ... desculpa - já vi que não és! Pensei que aqui nesta terra fossem todos gagos, carago! Já perguntei qual o melhor caminho para Moncorvo a três pessoas diferentes e todas elas começaram por dizer: va...vaiii po...po...por aquiiii..aqqqui..aqui fo..fo..ra. vi.vi..ra, etc..etc... e, eu acabei por não perceber nada daquilo que me disseram! 

Posta assim a questão, lá lhe expliquei o melhor percurso para Moncorvo que, aliás, não era nada difícil, era só seguir pela estrada nacional que o tinha trazido até Vila Flor.
O senhor estacionou a carrinha e convidou-me para lhe fazer companhia no lanche que iria aproveitar para fazer. Levei-o ao Café Liz, ali mesmo na ...Praça.
Era um indivíduo alto, muito magro, uma barbicha a emoldurar-lhe o rosto macilento e cavado, o nariz adunco, que me fez lembrar alguns dos judeus presos nos campos de concentração durante a 2ª Grande Guerra e que tinha visto, recentemente, nas fotografias da revista Vida Mundial. 
Ao caminharmos em direcção ao Café ele fazia-o com um andar desengonçado, bambaleante e com um vestuário invulgar e excêntrico: casaco largo e camisa branca aberta, onde dançava uma gravata desapertada e as calças da cor do casaco, que ele prendia com uns suspensórios largos e muito coloridos.

Nunca ninguém, até esse momento da minha vida, me tinha impressionado tanto! Quer pelo seu aspecto físico, quer pela forma invulgar como se deu a conhecer, quer na forma assertiva, convincente, clara e persuasiva com que comunicava. Demonstrou ser uma pessoa dinâmica, culta, educada e bem-disposta. Notava-se que valorizava muito o que fazia e que trabalhava com prazer.
Era vendedor de bicos para fogões a gás (!) que ele próprio fabricava em sociedade com um cunhado, numa pequena fábrica ali para os lados de Ermesinde. Estava em viagem, pela primeira vez, substituindo o sócio que costumava fazer esse percurso para Moncorvo e Freixo de Espada-à-Cinta, onde já tinham clientes que encomendavam os seus produtos em quantidade que justificava, por si só, a viagem do Porto. Entretanto procurava nas localidades por onde ia passando potenciais clientes tentando rentabilizar ao máximo a viagem.

Acabei por lanchar com ele e indicar-lhe um possível cliente que tinha uma loja mesmo ali na Praça e que era justamente um dos gagos a quem ele se tinha dirigido para perguntar o caminho para Moncorvo, exactamente o senhor Eusébio Ápio Garcia. Fomos lá, ele apresentou-se, disse ao que ia, confiante, mostrou os produtos e obteve o sucesso desejado ficando desde logo com mais um cliente. Saímos e sorriu ao mesmo tempo que me deu uma pancadinha nas costas.

Achou interessante esta coincidência de um dos gagos ter ficado como seu cliente e eu acabei por lhe dizer quem eram os outros dois. Um deles era o Zé "Rutela", empregado da bomba de Gasolina da Praça (que nessa altura ainda aí existia) e o último era um dos caixeiros de outra das principais casas comerciais da Praça, propriedade do senhor Vasco Pires.

Aproveitei para lhe contar a peripécia, que diziam ter acontecido, com esses três personagens. Um dia o caixeiro foi a mando do patrão transmitir um recado ao senhor Eusébio. Quando este viu e ouviu, pela primeira vez, o caixeiro a gaguejar à medida que lhe transmitia o recado do patrão e pensando que o rapaz estava a gozar com a sua gaguez saiu de lá de dentro com um metro de madeira para lhe bater. O empregado desatou a fugir e quanto mais fugia mais o senhor Eusébio corria aos gritos atrás dele. Quando chegaram ofegantes à loja do Sr. Vasco, este, perdido de riso, lá explicou ao Sr. Eusébio que o empregado também era gago. Eis que, de repente, entrou pelo comércio o Zé "Rutela" que também vinha a correr e esbaforido lhes disse a gaguejar: eu...eu bem lhe quis ddi..di...zer que ele também é gago, popopoooporra! :-))
(continua ...)

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